Histórias de crime no cinema, quando bem feitas, são sempre fascinantes. Filmes nos permitem experimentar e viver através de terceiros situações que, presume-se, nunca experimentaríamos na vida real. E uma delas é virar criminoso por um tempo – Breaking Bad não fez sucesso à toa. Em Emily the Criminal, do roteirista/diretor John Patton Ford, temos uma história do tipo conduzida com precisão, inteligência, suspense e uma atriz inspirada: Aubrey Plaza e sua personagem aqui deixariam Walter White impressionado.

Plaza vive a Emily do título, uma moça devendo uma pequena fortuna em empréstimos estudantis. Incapaz de conseguir bons empregos por causa de uma pequena condenação pregressa que o filme, aliás, deixa inteligentemente meio vaga, ela se depara com uma grande oportunidade: trabalhar para o misterioso Youcef (Theo Rossi, da série Sons of Anarchy) em um serviço relacionado a fraude no cartão de crédito. Emily topa e não demora muito a começar a se envolver com o chefe e cometer golpes cada vez maiores.

Com segurança notável para um diretor estreante, Ford cria uma obra tensa através da câmera nervosa, sempre perto dos atores, e na mão nos momentos mais intensos amplificada pela cirúrgicatrilha sonora eletrônica de Nathan Halpern. No fundo, a pegada de ação e suspense evoca as obras urbanas e neo noir de Michael Mann. E o roteiro é muito bom também, apresentando cenários plausíveis de golpes ao mesmo tempo em que cria um belo estudo de personagem.

A GRANDIOSA ATUAÇÃO DE AUBREY PLAZA

E que personagem: Emily já é uma figura interessante, mas elevada ainda mais pela atuação completamente destemida e intensa de Aubrey Plaza. Sempre uma atriz interessante – até mesmo quando faz alguns filmes ruins aqui e ali – em Emily the Criminal, ela agarra a personagem com unhas e dentes, transmitindo o desespero, a excitação – até um pouco sexual, sem dúvida – dos primeiros crimes, e depois a fúria e intensidade de uma pessoa que cansou de ser empurrada pela vida e agora quer revidar.

A história dela é a de exploração das falhas do capitalismo, da selvageria da luta diária pela vida e nem o roteiro muito menos a inspirada atriz perdem de vista essas noções dentro da história. Afinal, o débito estudantil é um problema econômico sério para muita gente nos Estados Unidos.

Porém, o filme não parte tanto assim para a crítica social porque está mais interessado na emoção, no suspense e na personagem, beneficiando Emily the Criminal e o torna um trabalho poderoso. E no centro de tudo, temos uma personagem sempre a ponto de explodir, com uma raiva interna mal disfarçada e que se mostra disposta até demais a embarcar na vida do crime e no seu processo de autodescoberta.

É um filme que, por seus elementos de gênero, até poderia cair facilmente no clichê, mas escapa disso graças à meticulosidade da sua história, à profundidade dos seus personagens principais e ao desempenho central de sua atriz. Plaza é também produtora do filme e ajudou a viabilizar sua realização durante a pandemia de Covid. De certo modo, ela parece tão faminta pelo papel quanto a Emily é por dinheiro. E como a própria história de Emily the Criminal nos mostra, às vezes pessoas famintas por algo fazem coisas espantosas…

MAIS SUNDANCE NO CINE SET: