Procurando Dory é um filme assumidamente nostálgico. Para a geração que acompanhou o primeiro filme nos cinemas, treze anos atrás, e hoje está na casa dos 20 e tantos anos e adora compartilhar posts sobre sua infância no Facebook, é um presente divertido e satisfatório. Para quem esperava um filme mais original, do calibre das melhores produções da Pixar, é meio decepcionante – mas tem lá o seu charme.

Novamente dirigido e roteirizado por Andrew Stanton, Procurando Dory não tem medo de mirar no sentimentalismo e emocionar seu público a qualquer custo com muitos “ooown”, “ownti” “ain”, a começar pela imagem fofa de olhos grandes da Dory bebê. A coadjuvante que era um dos grandes trunfos do primeiro filme é alçada agora ao posto de protagonista, e nos leva a uma jornada bem parecida à da primeira vez: assim como Marlin saiu à procura do filho Nemo, Dory tem um breve lampejo de memória e parte em busca dos pais de quem se perdeu. Sai a Grande Barreira de Corais da Austrália, entra a Costa da Califórnia e o cenário do Instituto de Vida Marinha, em que somos conduzidos por Marília Gabriela (não pergunte).

Promover um coadjuvante nem sempre dá certo (Carros 2 é a prova disso no próprio universo Pixar), mas Dory dá conta do recado: mesmo numa história que soa repetida, a cirurgião-patela desmemoriada ainda parece uma personagem extremamente original e cativante, tal qual o Gênio de Aladdin. Muito disso se deve à dublagem de Ellen DeGeneres no original, mas, na versão brasileira, Maíra Góes faz também um belo trabalho, mantendo o ritmo e a dinâmica da apresentadora e atriz norte-americana – anos de experiência de uma dubladora profissional também fazem a diferença. Além disso, os constantes flashbacks da infância de Dory que vão surgindo no decorrer da trama, mesmo que pareçam muleta do roteiro, ajudam a tornar a personagem ainda mais empática, explorando seu passado emocional ao lado dos pais – nesses momentos, Dory simplesmente se esquece de sua doença, para conveniências da história.

Marlin e Nemo não têm tanta sorte assim no roteiro: o primeiro, que havia aprendido a ser menos neurótico e a construir laços de confiança no fim do primeiro filme, parece ter esquecido a lição de uma hora para outra. Já o segundo não tem muito o que fazer a não ser funcionar como uma espécie de “voz da consciência” do pai e o símbolo da nova família de Dory. Assim, sobra espaço para novos personagens brilharem: o nervoso e mal-humorado polvo Hank, a tubarão-baleia Destiny, a baleia-branca Bailey e os leões-marinhos Fluke e Leme.

Todos esses personagens possuem, em um nível ou outro, deficiências físicas e mentais – as dificuldades de socialização de Hank, os problemas de locomoção e visão de Destiny, entre outros –, e vê-los superando seus limites é o que enriquece tematicamente Procurando Dory. As demais lições sobre família e confiança também estão lá novamente, bem delineadas e sem novidades, mas nunca enfadonhas. De novidade mesmo, temos as diferentes áreas do Instituto de Vida Marinha, que permite à direção de arte brincar com luzes, cores e estéticas relativamente diferentes.

Se, no geral, Procurando Dory em muito se parece com o filme anterior, em pelo menos uma coisa os dois se diferenciam consideravelmente, para o bem e para o mal. Se mesmo as ações mais absurdas de Procurando Nemo faziam algum sentido no “mundo real”, aqui as situações desafiam a lógica como em desenhos animados das manhãs na TV. Em alguns momentos, como o bizarro clímax, o resultado é um humor nonsense muito bem-vindo, com ares de Monty Python – basta dizer que a cena em questão envolve um caminhão, um polvo, a voz em off de Marília Gabriela (no original, Sigourney Weaver) e a clássica canção What a Wonderful World. Em outros casos, porém, fica difícil aceitar a suspensão da descrença – mas, se você conseguir, pode ser bem recompensado.

No fim das contas, Procurando Dory é claramente mais um filme na mina de ouro que a Pixar descobriu ao começar a investir em sequências – Carros 2, Universidade Monstros e os vindouros Toy Story 4 e Os Incríveis 2 –, pálido frente ao filme que lhe deu origem, mas ainda assim suficientemente divertido para justificar a ida ao cinema e uma nova jornada debaixo d’água.

P.S.: O curta-metragem exibido antes do filme, Piper: Descobrindo o Mundo, é um conto sobre aprendizado, amadurecimento e enfrentar os próprios medos, tudo isso com uma estética realista impressionante. Fofo e cativante na medida certa, assim como a Dory bebê, e até melhor do que o longa que vem depois.