The Young Pope, série criada e dirigida por Paolo Sorrentino (A Grande Beleza, A Juventude) propõe uma questão bem interessante: e se um papa jovem, norte-americano, assumisse o cargo mais alto da igreja católica, e se mostrasse como uma figura controversa e misteriosa?

Indo na contramão do que acontece agora, situação em que temos um papa (Francisco) abertamente progressista, que possui uma relação mais aberta em relação a questões envolvendo orientação sexual, aborto, divórcio, dentre outros assuntos, The Young Pope coloca na mesa uma questão radicalmente oposta, meio que fazendo um alerta sobre como é possível que, após uma gestão progressista, é possível que uma nova onda conservadora paire novamente sobre a igreja católica.

Lenny Belardo é um jovem cardeal que foi eleito papa através de um conclave controverso, no qual ele estava longe de ser o favorito a vitória. Eleito papa, tornou-se Pio XIII (Jude Law), e logo implementou severas medidas conservadoras na intenção de resgatar os valores mais puristas da igreja católica, como ser contra o aborto em quaisquer circunstâncias, contra o sexo que não tenha o objetivo da procriação, contra uniões estáveis, direito aos homossexuais, propositalmente fechando-se para o público, afastando os “não-praticantes”, exigindo esforço e sacrifício para manterem-se membros da Igreja, e recusando-se a aparecer em público, pensando em aumentar o mistério, e temor, por trás da sua figura.

Tal cenário deixa alarmado o Secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Voiello (Silvio Orlando), que trabalhou para a eleição de Belardo, julgando que poderia controlá-lo, mas vê que este papa não permite interferências no seu modo de pensar, o que também irrita o cardeal Spencer (James Cromwell), que era pra ter sido o eleito. Pio convoca para ser a sua assistente pessoal Irmã Mary (Diane Keaton), freira que o criou no orfanato, e mantém proximidade com o monsenhor Gutierréz (Javier Cámara).

O papa Pio XIII possui todos os clichês que envolvem as figuras ultra conservadoras: incorruptível, autoritário, arrogante, incisivo e moralista. Ao mesmo tempo é um mentiroso, manipulador, que engana as pessoas ao seu redor, carregando desde sempre uma enorme insegurança por ter sido abandonado pelos pais, dois hippies, ainda na infância, nunca superando o fato de não tê-los conhecido.

Lenny Belardo, na verdade, é um ateu, que acredita nos valores que prega não para se aproximar de Deus, mas para estabelecer uma espécie de ética rigorosa de como se deve viver, que valores se deve ter, e como se deve chegar até eles, por essa ser a “maneira correta” de se viver e ponto, ancorado na sua problemática experiência com os pais.

É necessário dizer que as constantes contradições envolvendo os principais personagens, principalmente o próprio papa, nem sempre funcionam muito bem. E aí entramos num campo minado, pois as contradições são absolutamente bem vindas e necessárias para darem conta de figuras tão complexas. Mas tal multiplicidade não é possível de ser enxergada em algumas ações, que são o que são muito mais pensadas em criar artificiais pontos de viradas, que não derivam verdadeiramente, do que alterações sinceras de pensamentos e ações.

As contradições estão presentes desde as imagens dos membros do alto escalão da igreja estarem usando IPads enquanto se vestem, até ao devaneio de Belardo, logo no início da série, quando brada para a abarrotada praça de São Pedro que todos eles deveriam se libertar, transar, divorciarem-se, masturbar-se, abortarem, enfim, serem livres pra fazerem o que quiser.

Em outros momentos, porém, o diabolismo de Pio acaba se tornando verdadeiramente detestável, tornando confusa a sua maneira de comandar a igreja, visto que os seus conflitos internos, as idas e vindas quanto ao seu desejo de comandar a igreja e a sua fé em Deus, os seus conselhos a pessoas que o seguem, sugerem um homem com mais camadas do que um tirano unilateral. A cena com o primeiro ministro da Itália no sexto episódio é um exemplo claro dessa simplificação problemática.

Tocando em temas bastante complexos como o fundamentalismo religioso, fé e política, combate a pedofilia, combate a minorias, a série corre o sério risco de causar bastante polêmica entre os católicos, mas ao mesmo tempo parece consciente da sua proposta e mostra-se segura quanto a isso. Embora não haja um posicionamento claro dos realizadores a respeito dos temas abordados, não há aventureiros aqui, são artistas fazendo valer a sua liberdade artística para abordarem as questões que acharem necessárias.

Estabelecendo o seu olhar como diretor, o Vaticano de Sorrentino é apreciado com o auxílio de câmeras lentas, música pop e eletrônica, numa roupagem mais envolvente. Isso ganha um efeito interessando quando dialoga com a forte imagem criada pelo papa Pio XIII, de Jude Law, que soa sempre imprevisível, introspectivo, mas muito contundente em cada fala. Lembra o Jesse James de Brad Pitt, em O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford (2007).

O diretor arrisca com o seu olhar pop, misturado com uma contemplação felliniana, criando situações arriscadas, como a sequência que envolve o primeiro discurso do papa aos cardeais, em que coloca a música I’m Sexy And I Know It, de LMFAO, na preparação do papa, vestindo-se, e dos cardeais dirigindo-se a sala, realizando uma verdadeira coreografia, que alcança um resultado inesperadamente divertido e coerente com a proposta. Ao mesmo tempo, Sorrentino parece convencido de possuir uma autoralidade, um olhar artístico diferenciado, que na verdade fica na metade do caminho, soando cool e descolado, mas acaba por aí, não deriva, não se expande, não torna possível que o espectador adquira outro olhar a respeito do tema.

Liderado pelo excelente Jude Law, o elenco é um dos pontos altos da série. Estabelecendo uma figura contraditória, arrogante, detestável, mas ao mesmo tempo um ser humano capaz de empreender pensamentos de grande compreensão, o papa Pio XIII é um daqueles personagens marcantes, que certamente ficará forte no universo pop. Law compreende muito bem as nuances necessárias para o desenvolvimento desta personagem, e empreende grande energia, sendo dono de todas as cenas que participa, num trabalho que certamente será lembrado em diversas premiações. Também fundamentais para a série são as performances de Javier Cámara e Silvio Orlando, tendo a árdua missão de serem contrapontos a uma figura tão forte, e saem-se muito bem.

Com um resultado competente, apesar de não muito empolgante, The Young Pope é uma série eficiente, que possui bom potencial pra chamar atenção em 2017.