Eu costumo usar a expressão “narrativa tradicional” para comentar filmes que possuem uma estrutura familiar de três atos, com conflitos e exposições definidos, sem preocupações em inovar na forma de contar uma história. O problema de sua utilização excessiva no cinema é tornar vários filmes formulaicos, que nos permitem adivinhar seus desdobramentos antes de eles acontecerem, mas de vez em quando, um filme faz o melhor uso possível desse instrumento. “Três Anúncios Para um Crime”, exibido no Festival de Londres deste ano, é um deles.

O novo longa de Kevin McDonagh é um filme denso, que mistura comédia seca e obscura com um profundo senso de drama, muitas vezes na mesma cena. Premiado com a escolha popular no Festival de Toronto, um prêmio que costuma ser bom termômetro para o Oscar, a produção é recheada de personagens tridimensionais e multifacetados e seu roteiro não oferece respostas fáceis.

A trama gira em torno de Mildred (Frances McDormand), uma mãe que, depois de ter sua filha estuprada e morta, resolve peitar o chefe de polícia da cidade, William (Woody Harrelson), em três outdoors fora da cidade, após oito meses de investigações não resultarem em nenhuma prisão.

O cenário da pequena cidade americana e as consequências violentas de grandes conflitos trazem sérios ecos do cinema dos irmãos Coen para o filme – ligação que só é reforçada pela presença de McDormand, figurinha carimbada da obra dos cineastas, no elenco. Na sua leitura, Mildred é uma pessoa machucada tomando atitudes extremamente impopulares e moralmente dúbias, com a qual o texto tem uma relação ambivalente.

Os policiais, que vários outros cineastas optariam por retratar como monstros sem nuances, aqui ganham diversos contornos interessantes. Sim, eles são preconceituosos e chegados a agressões por questões raciais e sexuais, mas há uma humanidade inegável quando acompanhamos seus dramas com, por exemplo, um câncer ou uma homossexualidade reprimida.

Como passamos boa parte da projeção sem exatamente saber por quem torcer e com as ações dos protagonistas escalando sem limites, o filme nos surpreende a cada reviravolta, envolvendo a plateia em um texto complexo e macabro. Enquanto a primeira metade da produção abusa de um humor deliciosamente inadequado, esse elemento vai ficando cada vez mais escasso conforme o tempo de projeção avança e percebemos que as atitudes de Mildred e as respostas dos policiais colocam todos num caminho perigoso e sem volta.

Todo o elenco traz seu melhor jogo para o longa, com destaque para McDormand, Harrelson e, em especial, Sam Rockwell, na pele de Jason, um policial brutamontes, racista e preconceituoso, que tem uma mãe dominadora e um pavio curtíssimo. Um dos mais difíceis papéis da carreira do ator, Jason tem um dos arcos narrativos mais interessantes de toda a história, que transforma um dos principais antagonistas em uma figura chave a favor de Mildred – mudança que só acreditamos porque Rockwell faz as construções sinuosas de seu personagem parecerem extremamente reais.

“Três Anúncios Para um Crime” é um filme que não apela para grandes pirotecnias quando o assunto são imagens. Largamente retirando do seu texto a força para criar um pequeno microcosmo que diverte e assombra o espectador, Kevin McDonagh se firma como uma das vozes mais potentes do cinema narrativo contemporâneo.