As comédias brasileiras de maior sucesso dos últimos anos poderiam oferecer um prato cheio para se entender a mentalidade de boa parte do país em relação à mulher. Pelo que se vê nesses filmes (De Pernas pro Ar, Até que a Sorte nos Separe, O Candidato Honesto, Odeio o Dia dos Namorados), quase todas se casaram sem amor, em busca de uma vida financeiramente tranquila, e todas as que tentam assumir as rédeas da própria vida amorosa e profissional têm de enfrentar a pressão dos maridos, da família e até das amigas próximas.

Poderia ser um prato cheio, veja bem. Mas a verdade é que essas comédias reciclam situações e piadas umas das outras, e refletem uma visão cômica cheia de clichês sobre o papel da mulher e as relações entre ricos e pobres, que parece cada vez mais atrasada em relação aos debates do Brasil atual. Uma Loucura de Mulher, de Marcus Ligocki Júnior, não chega a cair nessa armadilha. Mas, infelizmente, esse é o maior elogio que se pode fazer ao trabalho do cineasta, seu primeiro em ficção.

O outro seria a presença de Mariana Ximenes como protagonista. Com uma ficha sólida em novelas da Globo e alguns filmes anteriores (como a boa ponta em O Invasor [2002], de Beto Brant, e o fraco Muito Gelo e Dois Dedos d’Água [2006], de Daniel Filho), o carisma e a firmeza da atriz dão estofo à protagonista Lúcia. No início da trama, ela está dividida: casada, mas já sem amar o político Gero (Bruno Garcia, cada vez mais preso aos papéis de cafajeste), ela ainda assim se submete às aparições públicas a seu lado, na esperança de conseguir elegê-lo governador. Quando, durante um evento, ela recebe uma “cantada” insultuosa do senador Waldomiro (Luís Carlos Miéle, num de seus derradeiros trabalhos), cacique do partido de Gero, ela acaba respondendo com um tapa, o que provoca um escândalo político – e a decisão desastrosa do marido de interná-la como portadora de um transtorno mental. Para fugir à clínica, Lúcia volta ao apartamento onde passou a infância, no Rio de Janeiro, de onde fugiu por não aguentar as galinhagens do pai (Roberto Bonfim). Seu dilema, ao longo do filme, será a escolha entre o perdão a Gero, a volta a um relacionamento com Raposo (Sérgio Guizé), seu namorado de adolescência, ou a independência.

Nada muito original, como se vê, e as gags armadas em torno da situação são absolutamente batidas. Há desde a vizinha espevitada e fofoqueira (Rita, vivida com graça genuína por Guida Viana), que ouve arrocha e dá conselhos a Lúcia e ao porteiro baiano – preguiçoso, claro (Zéu Britto) –, até uma perseguição de carros que poderia ter saído de um desenho animado, passando pela transa movida a porre e a “reviravolta” irônica, no final, sobre o jogo político. O elenco, também, vai de regular (Bruno Garcia, o onipresente Augusto Madeira) a bem ruim (Miá Mello, que tem de encarar uma cena de choro; Ildi Silva, como a namorada vulgar de Raposo). Ainda assim, o saldo é menos estridente e mais delicado que o habitual para as comédias brasileiras, graças à direção discreta de Ligocki e à sutileza de Mariana. E – verdadeira raridade para o gênero – durante pelo menos um ano, nos eventos do fim do filme, a protagonista escolhe cuidar da própria vida, em vez de atrelar a felicidade obrigatoriamente a um namoro ou casamento.

Se não se impõe nem como uma comédia diferenciada (o mais perto que chegamos disso, nos últimos anos, foi mesmo Cine Holliúdy, de 2012), nem como uma verdadeira ruptura para o seu nicho, ao menos Uma Loucura de Mulher, com sua aposta na capacidade da mulher de decidir o que é melhor para si, está um passo à frente das colegas, na sintonia com o papel que as mulheres de fato buscam exercer no Brasil.