Em janeiro de 2009, Meryl Streep subiu ao palco do SAG Awards para aceitar aquele que seria seu primeiro (e ainda único) prêmio de melhor atriz de cinema, pelo filme “Dúvida”. Entre alguns one-liners, ela falou sobre Viola Davis, a até então pouco conhecida atriz que havia roubado a cena em menos de dez minutos de filme. “MEU DEUS, alguém dê um filme a ela!”, exclamou Meryl.

Oito anos se passaram e apenas duas pessoas deram um filme a Viola. Os resultados foram mais que positivos: “Histórias Cruzadas” foi um sucesso de público e “Um Limite Entre Nós” lhe rendeu o Oscar. Contudo, seu maior êxito nesse período foi na televisão, lugar onde as mulheres têm encontrado papéis ricos e complexos: no caso de Viola, a série em questão é “How To Get Away With Murder”, onde seu talento é explorado de forma singular a cada semana com os dramas da complexa Annalise Keating. O espaço conquistado por ela ainda é raro, infelizmente. Especialmente por ser negra e já ter 51 anos. O caminho é árduo dentro de uma indústria que prioriza os melhores papéis às mulheres que atendem um padrão estabelecido de maneira preconceituosa. Afinal, é comum que esse mercado encaixe algumas etnias dentro de rótulos preconceituosos (negras normalmente são escravas, empregadas… latinas são sexualizadas, e assim por diante).

Mas se Viola é exceção em uma indústria machista, racista, xenófoba e ageísta, Meryl Streep é mais que isso. Branca e com um background privilegiado que lhe permitiu ter diplomas em Artes Dramáticas de faculdades prestigiadas como Yale e Vassar, ela está bem à frente de suas contemporâneas desde os anos 1980. O talento de Meryl e a sua facilidade para sotaques lhe permitiram viver uma polaca sobrevivente do holocausto em “A Escolha de Sofia”, uma australiana em “Um Grito no Escuro”, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher em “A Dama de Ferro” e uma ítalo-americana no comovente “As Pontes de Madison”. Dos anos 2000 para cá, a qualidade de seus filmes caíram e a oferta de grandes diretores foram mirradas, mas Meryl ainda teve grandes momentos. Tanto é que, em 2014, Tina Fey e Amy Poehler brincaram com a enésima indicação da atriz ao Globo de Ouro: “Meryl Streep mostra que ainda há bons papéis para Meryl Streeps acima de 60 anos”.

Esse é um pensamento comum aos cinéfilos. Meryl é ótima, mas ela é a única atriz com mais de 60 anos na indústria? Há um ano, eu fiz uma lista para o Cine Set de cinco atrizes que mereciam filmes melhores. Citei Susan Sarandon, Angela Bassett e Sigourney Weaver. Oras, por que elas não recebem oferta para fazer um “Álbum de Família”, por exemplo? E atrizes na faixa dos 30 e 40 anos poderiam interpretar uma personagem madura como as que David O. Russell cunha para a ainda juvenil Jennifer Lawrence (pense em Marisa Tomei ou Halle Berry em ‘Trapaça’, por exemplo).

Envelheço na cidade

Um estudo dos pesquisadores Stacy L. Smith, Katherine Pieper e Marc Choueiti, da Media, Diversity, & Social Change Initiative em parceria com a Escola de Comunicação e Jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia, apontou que há uma escassez de personagens idosos no cinema. A pesquisa teve como base cem filmes lançados em 2015. Dos títulos analisados, verificou-se que 72,8% dos personagens são homens e 82,1% são brancos(as). Os personagens masculinos e brancos também têm empregos melhores que as mulheres e que as minorias.

Esses números não surpreendem, mas ainda assustam. Quando atrizes fora do clubinho de queridinhas da América conseguem um papel interessante, é apenas um sopro isolado de inspiração. E isso não acontece apenas com mulheres na terceira idade. Veja o caso de Jennifer Jason Leigh, de 55 anos. Atriz de destaque nos anos 1990 com “Geórgia”, “Mulher Solteira Procura” e “eXistenZ”, ela não manteve o ritmo na década seguinte, mas finalmente recebeu reconhecimento com o trabalho em “Os Oito Odiados”. O filme de Quentin Tarantino foi alardeado como o “retorno” de Jason Leigh (ela não havia ido a lugar nenhum), mas a indicação ao Oscar e o reconhecimento da crítica não se traduziram em grandes papéis em filmes de autores. O mesmo pôde ser visto com Patricia Arquette, Marcia Gay Harden, Melissa Leo e outras atrizes premiadas que seguiram com 15 papéis ruins para cada um que fosse bom.

Enquanto isso, a tevê norte-americana tem apresentado novas chances a essas mulheres, mas a obrigatoriedade da audiência no caso das grandes emissoras não garante a todas o mesmo sucesso de uma Glenn Close, que colecionou prêmios por “Damages”, ou de uma Jessica Lange, atriz que ganhou um novo e interessantíssimo ato na carreira graças às séries “American Horror Story” e a recém-lançada “Feud” (que fala justamente sobre envelhecer em Hollywood). Outra atriz que merecia chances melhores, Geena Davis, tem realizado um interessante trabalho nos bastidores, com um instituto que estuda a representação das mulheres na mídia.

 

E se você não é branca…

Quando se fala em atrizes negras de qualquer idade, a situação fica ainda mais delicada. Se formos focar no Oscar, apenas uma mulher ganhou o prêmio de melhor atriz em quase 90 anos de cerimônia. Entre as coadjuvantes, foram sete negras premiadas, sendo que entre a primeira (Hattie McDaniel) e a segunda (Whoopi Goldberg) houve um hiato de 50 anos. O Oscar é um reflexo da indústria. Como bem disse a já citada Viola Davis em seu discurso do Emmy, “não dá para premiar papéis que não existem”.

Se Davis, Kerry Washington, Taraji P. Henson, Chandra Wilson e Angela Bassett também têm tido boas chances na televisão, o cinema continua a ignorar a força delas. Taraji teve o sucesso de “Estrelas Além do Tempo” e Davis está polindo o Oscar que conquistou no último dia 26. Mas, como bem sabemos, é improvável que ambas sigam tão requisitadas quanto estrelas mais jovens e brancas-do-olho-azul.

lupita

Vejam o caso de Lupita Nyong´o. Linda, jovem e carismática, ela tem tido dificuldades para conseguir um grande papel após a sua estreia no cinema, em “12 Anos de Escravidão”. De 2013 pra cá, foram apenas dois papéis de motion capture (onde seu rosto não aparecia), em “O Livro da Selva” e “Star Wars: O Despertar da Força”, e um papel secundário em “A Rainha do Katwe”, filme cujo marketing e divulgação deixaram a desejar. Será mesmo que Lupita é tão má atriz que não consiga passar em nenhum teste? Até dá para se animar com a participação dela em “Pantera Negra”, da Marvel, mas ela é melhor que isso. Será que ainda vai sair a adaptação de “Americanah”, de Chimamanda Ngozi Adiche, com Lupita no papel principal? Lupita é só a ponta do iceberg.

E Tessa Thompson? E Zoe Kravitz? E Halle Berry, tão malfadada pelo fracasso de “Mulher Gato” lá em 2004, vê um ator branco e mediano como Ryan Reynolds ter chance atrás de chance atrás de chance atrás de chance até finalmente acertar com “Deadpool”.

Os tropeços que a indústria não perdoou

Se para uma atriz que “anda na linha” (pff) o caminho já é acompanhado pelo impassível “tique taque” do relógio, para aquelas cuja vida pessoal foram expostas na mídia, o trabalho é ainda mais árduo. Em alguns casos, esse tal caminho nem tem volta.

Vamos ao caso Winona Ryder. Ela era a garota que todas queriam ser nos anos 1990. Seu cabelo em “Caindo na Real” foi sonho de consumo e o estilo que misturava glamour clássico e rock and roll era coqueluche das revistas de moda. Na tela, ela sempre foi expressiva, mas sabia ser doce como uma Audrey Hepburn (a quem sempre foi comparada). Em 2001, Winona já via novas estrelas como Angelina Jolie (com quem contracenou em ‘Garota, Interrompida’), Thora Birch e Julia Stiles serem consideradas para os papéis que ela costumava fazer. O tempo é cruel em Hollywood e, quando a “it girl” chega aos 30 anos, os estúdios já a acham ultrapassada. Foi quando, naquele mesmo ano, ela foi flagrada furtando três bolsas e um par de meias da Saks Fifth Avenue, uma boutique em Los Angeles. O resultado disso? Winona virou piada internacional e os trabalhos foram ficando cada vez mais escassos.

Quando fiz a lista de atrizes que mereciam papéis melhores no ano passado, comparei a recepção de Hollywood a Winona com os braços abertos a Robert Downey Jr., ator que enfrentou graves problemas com drogas – em dado momento, ele chegou a invadir o quarto de uma adolescente. Claro, a indústria demorou a aceitar Downey (e haja Jodie Foster e Mel Gibson pré-polêmicas nos bastidores!), mas quando o fez, foi de forma grandiosa. Hoje, ele é um dos atores mais bem-pagos de Hollywood. Winona? No auge dos seus 30 e poucos anos, colecionou uma ponta ali e outra acolá, até que, aos 40, conseguiu novamente destaque em – adivinhem – uma série, “Stranger Things”.

O caso Winona explodiu em 2001. Um ano antes, a Hollywood implacável havia voltado seu julgamento para Meg Ryan. Então queridinha da América, Ryan teve um caso extraconjugal com o ator Russell Crowe, que estava no auge pós-“Gladiador”. Qualquer conquista de Crowe ganhava a atenção dos tablóides e quando ele e Ryan se envolveram no set de “Prova de Vida”, os xingamentos e comentários maldosos foram todos direcionados a atriz, casada com Dennis Quaid. Uou, ninguém esperava isso da garota bela, recatada e do lar de “Harry e Sally” e “Sintonia de Amor”. Ryan teve apenas mais um papel interessante no independente “Em Carne Viva”, de Jane Campion, mas, depois disso, sua carreira estagnou. Pressionada para manter um look jovial, ela se rendeu a plásticas e foi novamente alvo da maldade da indústria.

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Vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por “Preciosa”, Mo’nique foi bastante criticada quando se recusou a fazer campanha para o prêmio. Anos depois, o diretor do filme, Lee Daniels, disse que a atriz foi boicotada pela indústria por seu comportamento “difícil”. É só ver a filmografia de Mo’nique desde 2009 para perceber que ela realmente não “jogou o jogo”, como afirmou Daniels – mas se o diretor é um dos poucos a reconhecer o trabalho da atriz, por que não deu continuidade à parceria?

Claro que o cinema não se reduz a atrizes. Diretoras, roteiristas, montadoras, compositoras… Todas estão em clara desvantagem. Esse ano, vamos ver se Patty Jenkins e seu “Mulher Maravilha” sobrevivem ao julgamento da indústria: caso o filme seja um fracasso, ela terá sobrevida na indústria como ocorre com colegas do sexo masculino?

O sexismo e o “dois pesos, duas medidas” já ocorre desde que Hollywood era Hollywoodland. Já nos anos 1920, Mary Pickford era uma trovadora solitária. Queridinha da América da época, ela foi além e fundou um estúdio. E não foi um estúdio pequeno, não. Junto a Douglas Fairbanks, DW Griffith e Charlie Chaplin, Pickford criou a United Artists, que existiu durante todo o resto do século 20. A atriz e produtora foi uma das poucas reconhecidas na Era de Ouro por seus esforços atrás das câmeras, mas, assim como Ida Lupino (a primeira diretora de um filme noir), seu legado não é tão celebrado quanto o de seus contemporâneos homens.

Ainda assim, quando agraciadas com papéis à altura de seus talentos, todas as mulheres citadas neste texto entregaram desempenhos memoráveis. Que esses papéis tenham vindo por oportunismo de um estúdio ou por pura vontade de fugir do lugar-comum, é oooooooutra história. Mas, como cinéfilos e cinéfilas, nosso dever, no fim das contas, é perpetuar e buscar grandes trabalhos dessas atrizes que Hollywood jogou de escanteio.