É no mínimo curioso que o tão comentado retorno de Mel Gibson às graças de Hollywood seja em um filme sobre um homem que refuta a violência em plena Segunda Guerra. Parece uma provocação do diretor, uma resposta em forma de “celulóide” a todas as polêmicas em que o australiano se meteu desde o lançamento de “A Paixão de Cristo”, condenado justamente por seu excesso de violência. E celulóide mesmo: “Até o Último Homem” soa como um filme produzido em uma época de autocongratulação e patriotismo exacerbado. O resultado é uma produção correta, mas aquém do que poderia representar.

“Até o Último Homem” tem como pano de fundo a Batalha de Okinawa, no Japão, em 1945, já no fim da guerra. O herói – e bota herói nisso – da história é Desmond T. Doss (Andrew Garfield), um soldado que, em pleno campo de batalha, se recusou a matar outros homens. Como resultado, ele acabou condecorado com a Medalha de Honra e ainda saiu da guerra com o amor da enfermeira Dorothy (Teresa Palmer), com quem viveu por anos e anos, até a morte dela, em 1991.

É uma história real, talhada para Oscar, e Mad Mel sabe disso, porque não faltam clichês típicos dos filmes de guerra. O romance entre a enfermeira e o soldado é explorado até a última gota de sacarina – e que funciona até certo ponto, graças à química entre Andrew Garfield e Teresa Palmer (essa em seu primeiro papel interessante de fato, depois de bombas como ‘Eu Sou o Número 4’e ‘Meu Namorado é Um Zumbi’). A tentação de ter a bandeira norte-americana tremulando em cena é demais para Mad Mel ignorar e ela aparece, é claro.

Mas o clichê que persiste e que mais incomoda é o do sargento que grita na cara dos recrutas e que pega para Cristo (sem trocadilho) o engraçadinho da turma. Se o personagem (um arquétipo por si só) funciona quando contrabalanceia o açucarado “A Força do Destino” e é executado à perfeição por R. Lee Ermey em “Nascido Para Matar”, aqui o resultado pende para a caricatura graças ao roteiro que insiste demais em frases engraçadinhas para o personagem de Vince Vaughn soltar.

Contudo, demos a César o que é de César: se tem uma coisa que Mad Mel sempre executou com perfeição em sua carreira, são as sequências de ação. Você pode não ser o maior fã de “Coração Valente“ (e essa que vos escreve certamente não é), mas não dá para não reconhecer que as imagens de William Wallace no campo de batalha são de uma plasticidade ímpar.

Por isso, no papel a combinação do diretor com um filme de Segunda Guerra parece ideal. E o é, quando falamos das cenas de batalhas. Gibson joga sem pudores ao espectador todos os horrores daquele período e, por mais que isso seja paradoxal em um filme sobre um homem anti-violência, essa escolha por imagens gráficas evidencia ainda mais o dilema de Desmond Doss. O lado religioso do personagem pode até ser uma escolha esperada em um filme de Mel Gibson, mas aqui funciona como um componente a mais nesse drama.

Nesse sentido, seria injusto não reconhecer o trabalho de Andrew Garfield. Seu desempenho aqui não chega ao nível do sensível “Não Me Abandone Jamais“ e do elétrico “A Rede Social“, mas o franzino ator consegue equilibrar o sentimento de peixe fora d’água em meio ao horror da guerra ao mesmo passo em que dribla o roteiro ‘qualquer nota’ para convencer como herói romântico.

Outro desempenho a ser lembrado é o do sempre ótimo Hugo Weaving, que vive o problemático pai de Desmond. Se o roteiro força situações de conflito entre os personagens, Weaving entrega um tipo complexo e cujo drama interior permeia todas as decisões tomadas pelo filho. Dito isso, é triste ver a subestimada Rachel Griffiths relegada ao papel de mãe sofredora, quando o personagem poderia ter sido melhor trabalhado na trama. Como acontece em muitos filmes de guerra, as mulheres servem apenas como ‘escada’ para o drama maior do homem (e isso também acontece com a já citada personagem de Teresa Palmer).

No fim das contas, o que acaba fazendo de “Até o Último Homem“ um título aquém de filmes como “O Resgate do Soldado Ryan” é o fato de que Mad Mel não consegue se distanciar o suficiente do personagem principal e do tema. É um filme laudatório quee sofre do mesmo mal que o “Invencível“, de Angelina Jolie: o diretor venera demais o personagem principal para maculá-lo. As imagens reais no fim da história são prova disso: é uma saída fácil e que não finaliza totalmente o debate sobre violência na guerra que o filme levanta.


Apenas correto. É essa a sensação que se tem após assistir ao filme, que tem belas cenas de batalha, mas não consegue manter o pique com o drama (real) de um homem que se recusava a pegar em uma arma. Mas, para o bem ou para o mal, Mad Mel está de volta.