Hoje em dia já se sabe que a versão original da maioria dos contos de fadas que conhecemos está longe da aura infantil que por décadas foi imortalizada pela Disney. Diferentemente dos clássicos da casa do Mickey, os contos de fadas originais são muito mais sombrios, com personagens ambíguos, por vezes cruéis, e nem sempre reservam um final feliz com o terminar da história. Desde a década de 1980 os cineastas começaram a se interessar de forma mais frequente por esse outro lado das antigas “histórias de ninar” e, assim, já tivemos algumas releituras bem interessantes destes contos. Agora, mais um filme se junta a este seleto grupo.

Baseado numa coleção de histórias publicadas originalmente pelo escritor italiano Giambatistta Basile no século 17, O Conto dos Contos apresenta três histórias paralelas envolvendo monarcas de reinos vizinhos, cada um com seus próprios dilemas e desejos. No primeiro conto, temos uma rainha desesperada (Salma Hayek)  e disposta a qualquer coisa para poder realizar seu maior sonho: ter um filho. No segundo, conhecemos um rei (Toby Jones, excelente!) que vive sozinho com a filha mas que desenvolve uma relação de afeto com um inusitado bicho de estimação. No último capítulo, somos apresentados a um monarca bêbado e mulherengo (Vincent Cassel, claro) que se encanta pela voz de uma camponesa, mesmo sem nunca ter visto seu rosto.

Como já deu pra perceber, nenhuma das histórias faz parte do folclore popular, sendo justamente este um dos grandes atrativos do longa. Afinal, nós simplesmente não sabemos o que vai acontecer em seguida, trazendo um bem-vindo frescor e novidade para este tipo de filme.

No entanto, é preciso ressaltar que o importante aqui não são as histórias em si. Diferente das fábulas clássicas, onde há uma moral a ser tirada de cada história, o filme não se preocupa em concluir as suas narrativas de forma definitiva. Pelo contrário, algumas das histórias ficam com um final aberto, deixando que a imaginação do espectador preencha as lacunas. Aqui o verdadeiro trunfo é a imersão neste mundo fantasioso, onde personagens e lugares exóticos, nunca vistos antes, se apresentam diante dos nossos olhos. Estamos dentro de um universo completamente novo e, ainda que as histórias não sejam plenamente desenvolvidas, a cada minuto que passa descobrimos um novo pedaço deste mundo.


Neste sentido, os valores de produção do longa são essenciais para nos transportarem nessa jornada. E não há do que reclamar: os figurinos cheios de detalhes, as paisagens naturais, a arquitetura e localização inusitadas dos castelos e a trilha sonora sombria e enigmática (mais um belo trabalho do sempre confiável compositor Alexandre Desplat), tudo contribui para criar imagens e sequências que se alternam entre o onírico, o grotesco e, nos seus melhores momentos, uma mistura perfeita de humor e estranheza (quando vocês verem o rei com seu bicho de estimação pela primeira vez vão saber do que estou falando).

O Conto dos Contos, portanto, se junta a um seleto grupo de filmes que inclui também A Companhia dos Lobos (1984), O Labirinto do Fauno (2006) e Perfume (2006), como um exemplar macabro e fascinante de uma fábula que poderia muito bem ter sido contada, na nossa infância, pelos nossos tios e avós mais excêntricos.