Em 2012, Nelson Rodrigues completaria 100 anos de vida, e muitos trabalhos artísticos, principalmente peças de teatro, foram montadas em sua homenagem adaptando suas intrigantes histórias.

Um pecado bastante comum de quem monta obras do anjo pornográfico, (e aqui o maior exemplo disso é o cinema, com diversos exemplos), é esquecer o incrível apuro do autor em criar personagens ambíguos e interessantemente contraditórios, ambientados em uma sociedade de valores hipócritas, e toda a sua rebuscada poética, ao investir quase que unicamente no fator erótico da coisa, querendo chocar por chocar, sem ter de fato substância nenhuma.

E tudo isso grita no filme de Moacyr Góes, que se apropria de maneira tímida e equivocada do clássico de Nelson Rodrigues.

Edgar (João Miguel) é um homem simples, que mora num bairro pobre do Rio de Janeiro, e que não tem muito dinheiro. Certo dia ele recebe de Peixoto (Leon Góes) uma proposta: se casar com Maria Cecília (Letícia Colin), filha do milionário Dr. Werneck (Gracindo Júnior), que ficou traumatizada depois de ter sido estuprada em um baile funk. Seduzido pela proposta, Edgar se vê na dúvida de aceita-la, visto que é apaixonado pela sua vizinha, Ritinha (Leandra Leal).

O que se pode falar de mais importante sobre o filme é que ele não consegue dar legitimidade ao que vemos.

Aliás, muita gente torce o nariz pra obra de Nelson muitas vezes pelo motivo errado, pois o erro está em quem adapta erroneamente o que o autor quer dizer. E aqui este caso se repete.

A direção de Moacyr Góes não consegue trazer o verdadeiro peso do que cada personagem representa, diz e faz. As cenas são apresentadas de maneira pobre, às vezes sendo rápida demais, outras de maneira exagerada e sem verdade, ou sendo suavizada por uma trilha sonora de novela das oito.

Falta crueza ao filme, falta verdade, falta honestidade, falta uma direção que chegue, tome posse do que o filme quer dizer e o faça de maneira que não deixe dúvidas de que o que estamos vendo é verdade, apesar de todos os absurdos da trama.

Não a toa que os personagens, da forma como são mostrados, não apresentam-se como pessoas que tem dois lados diferentes (como é na obra de Nelson), mas sim personagens inverossímeis que são contraditórios, e uma hora são uma coisa e em outro momento são outra, sem que haja uma transformação orgânica que deixe isso interessante de se ver.

Edgar é um homem que faria de tudo pra crescer na vida, pois ele acredita, como vemos no início do filme, que o mineiro só é solidário no câncer. Mas depois é atacado por um surto de honestidade que não convence de maneira nenhuma. O mesmo com Peixoto, que apresenta uma espécie de redenção que acontece apenas no roteiro, pois o que está na tela é algo bem diferente. É raso, mal interpretado, mal dirigido, e muito, muito mal finalizado.

A atuação caricatural de Letícia Colin até agrega qualidades ao filme, dando um tom de dissimulação à personagem que é exatamente como deveria ser, mas o seu desfecho é muito difícil de comprar. A tal menina ordinária só aparece na cena do flashback, pois a que vemos no presente é exatamente o mesmo anjinho de sempre. Não está na interpretação da atriz a complexa ambiguidade da Maria Cecília de Nelson.

O filme possui momentos que demonstram claramente tudo isso. A cena do assédio de Edgar a Ritinha no carro é muito mal finalizada, deixando as reações dos personagens difíceis de acreditar; a confissão de Ritinha, quando ela conta porque decidiu seguir a sua profissão é exagerada, com caras e bocas, com uma marcação que atrapalha os atores; a suposta reflexão de Peixoto é forçada e não convence, da forma como é feita não dá pra entender nenhuma das motivações deste genial personagem; e o desfecho de Maria Cecília e Peixoto é digno de risadas envergonhadas, de tão falso e sem verdade. Além disso, nunca fica claro como que Maria Cecília escolheu Edgar pra casar? Eles já se conheciam? Ela se apaixonou por ele no dia em que a viu de uniforme? Foi esse o momento?

Talvez quem se salvem sejam os personagens de Leandra Leal e Gracindo Junior, que tem as suas motivações colocadas de maneira mais crível. Embora o tom vitimizado adotado para Ritinha canse com o passar do tempo, tornando o personagem raso e até certo ponto desinteressante.

E a direção de Moacyr Góes consegue ser ainda mais desastrosa, pois o filme é muito mal filmado. O excesso de closes com câmera tremida deixa o filme  insuportável de acompanhar, pois em quase todos os diálogos do filme ele usa o artifício. Além disso, as demais cenas dão um aspecto preguiçoso a fotografia, de falta de criatividade na hora de elaborar os planos do filme.

E é uma pena ver um elenco tão cheio de qualidades metido em um projeto tão “mentiroso”, que apenas arranha a superfície da obra de Nelson Rodrigues

Pra completar todo o absurdo que é visto, o filme é finalizado com o nascer do sol em uma praia com trilha de Agridoce…

Nelson não ficaria nem um pouco satisfeito.

NOTA: 3,5