Pessoas que possuem qualquer afinidade com questões do feminino já devem ter percebido que é por vezes um tanto (e, na maioria das vezes, muito) doloroso assistir a filmes de época. Seja no tom trágico de “Tess”, de Roman Polanski, passando pelas limitações sociais bem demarcadas de “Razão e sensibilidade”, de Ang Lee, chegando às situações degradantes apresentadas em especial nas primeiras temporadas de “Mad Men”, as mulheres quase sempre estão subjugadas a convenções sociais que fazem com que seu ser no mundo esteja diretamente ligado a decisões de homens.

E aí entra “Adoráveis mulheres” (1994), de Gillian Armstrong, um belo filme de época que quebra com uma série de pressupostos narrativos para suas personagens femininas sem destoar do contexto histórico. Que o título da obra não engane o público: a adorabilidade das mulheres da trama está na complexidade delas, e não num figurino delicado ou no beijo ao final do filme, conforme nossa lista apontará para você:

1. As personagens davam um jeito de sobreviver sem o patriarca

Logo no início do filme, aprendemos que as irmãs Jo (Winona Ryder), Meg (Trini Alvarado), Amy (Kirsten Dunst/Samantha Mathis) e Beth (Claire Danes) tinham como responsável direta a mãe, a Sra. March (Susan Sarandon). O pai estava ausente, combatendo na Guerra Civil Americana no século XIX. A situação econômica da família era sempre delicada, e entre as brincadeiras das irmãs mais novas, a matriarca cuidava das finanças e liderava as meninas não só nos afazeres domésticos, mas também aos estudos e quaisquer atividades necessárias. E é por isso que ninguém fica triste quando Jo vende seu cabelo para ajudar a família. Nessa cena, o signo de feminilidade sai da aparência da jovem para sua solidariedade às demais mulheres. O que nos leva ao segundo ponto…


2. O amplo espectro de representação do feminino

O elenco predominantemente feminino de “Adoráveis mulheres” não possui um caráter meramente quantitativo: cada irmã March tem uma personalidade bem definida, que gradualmente se transforma no contexto da trama, que é mostrar a passagem da infância para a vida adulta. Nem por isso, as personagens são estereotipadas, embora certas características saltem aos olhos: Jo é decidida e não liga muito para convenções que determinam o que mulheres podem ou não fazer; Beth é frágil e doente, e valoriza os momentos passados com a família por ser este o único aspecto que lhe é permitido vivenciar, já que está sempre confinada em casa; Meg é a irmã mais velha, que pondera tudo por ser a mais madura e ter uma noção maior de como suas atitudes impactarão nos demais; e Amy passa por seu processo de autodescoberta na Europa, morando com a tia e longe das irmãs. Todas passam por momentos de doçura, tristeza, bravura e medo, e só uma pequena porcentagem deles se relaciona a um interesse amoroso, embora este também não seja ignorado no filme. O que puxa nosso terceiro ponto…


3. Mulheres e homens dividem momentos

Especialmente no início do filme, no qual as irmãs March ainda estão com o pé na infância, cenas em que as meninas dividem o espaço das brincadeiras e conversas com os rapazes é comum. Como crianças e adolescentes, é socialmente aceitável que sejam faceiras, demarcando a fluidez no trato entre os gêneros. Os rapazes, ainda que coadjuvantes na trama, demonstram real amizade e admiração para com as mulheres March. Logo, a representação do masculino no filme também se liberta da amarra de “príncipe encantado” que lhes é imposta em muitas outras representações de filmes de época. E assim, em “Adoráveis mulheres”, Christian Bale, Eric Stoltz e Gabriel Byrne ganharam papéis secundários dignos, o que (adivinha?) nos leva ao nosso próximo ponto…


4. O elenco de estrelas

“Adoráveis mulheres” já chamaria a atenção de qualquer forma pela escolha do elenco. Nos anos 1990, a protagonista Winona Ryder era uma das mais importantes jovens atrizes de Hollywood, com sucessos como “Edward Mãos de Tesoura” (1990), “Drácula de Bram Stoker” (1992) e “A época da inocência” (1993) no currículo. Já Susan Sarandon era conhecida por bons filmes como “As Bruxas de Eastwick” (1987) e “Thelma e Louise” (1991), sendo que um ano após “Adoráveis Mulheres” ela ganha o Oscar de Melhor Atriz por “Os últimos passos de um homem” (1995). Claire Danes era quase uma estreante no cinema, mas dois anos depois estrelava o muito bem-sucedido “Romeu+Julieta” (1996), enquanto que Kristen Dunst, ainda uma criança, já chamava a atenção naquele mesmo ano por sua atuação em “Entrevista com o Vampiro” (1994). Já Christian Bale usava o filme como trampolim para a saída do rótulo de estrela-mirim após o sucesso de “Império do sol” (1987). Nesse meio tempo, Eric Stoltz estrelava também “Pulp Fiction: tempo de violência” (1994) e Gabriel Byrne aproveitava a boa fase para ter um de seus melhores papeis no ano seguinte, com “Os suspeitos” (1995). O que isso tem a ver com feminismo? Ora, todo mundo gosta de ver filme com bons atores, certo?


5. “Pode ficar com ele pra você”

Fosse uma telenovela, muito provavelmente o fato de uma irmã March se interessar pelo ex-interesse amoroso de outra irmã geraria um grande barraco ou um plano de vingança. Por sorte, não é isso que acontece em “Adoráveis mulheres”. No decorrer do tempo, as relações com os homens mudam, o que na trama pode significar uma das irmãs finalmente se declarar para o rapaz que gosta, assim como também pode ser uma irmã perceber que a relação que travou com um rapaz era estritamente de amizade, assim como poder ser uma terceira irmã se ver interessada em alguém que em teoria seria o par ideal de sua irmã, e não o seu próprio… o fato das personagens femininas não serem planas, aliada ao fato de que a irmandade delas está para além de laços de sangue, torna mais que natural a reação a essas interseções de interesses amorosos. Diga-se de passagem, essas mudanças se dão de maneira mais fluida nesse filme de ficção do que a irmandade se vê hoje no conceito de “girl squad” de estrelas da música “do mundo real”… o que só conta a favor de “Adoráveis mulheres”.