A década de 80 foi generosa ao cinema de terror, graças as produções independentes que apesar dos orçamentos modestos, driblavam as dificuldades com criatividade. O objetivo principal era levar para as telas de cinema diversão em dobro com enredos que misturavam humor e horror, rendendo boas risadas e sustos. Sem dúvida, Evil Dead – A Morte do Demônio de Sam Raimi (1981) foi precursor deste tipo de subgênero e permitiu que outros seguissem o mesmo caminho. Logo, foi uma época marcada pela qualidade no entretenimento com obras que funcionavam como homenagens a determinado subgênero, ou então como renovação do segmento.

No âmbito dos zumbis tivemos o divertido A Volta dos Mortos-Vivos (1985). Da homenagem a Ficção Científica B, a Noite dos Arrepios (1986) é um outro ótimo exemplo. Lógico que os sedutores vampiros não ficariam de fora. Vale ressaltar que em 80, estes seres imortais encontravam-se em um estado de hibernação e baixa autoestima no cinema depois que grande parte do público os preteriu pelos filmes de slasher. O aristocrata de enormes presas estava em declínio principalmente pela falência dos estúdios Hammer nos anos 70 – responsável pelo grande auge do vampirismo na década de 50 e 60. De ídolo, os vampiros viviam um ostracismo sem precedentes no terror.

Só que para sorte destes imortais sanguessugas e para nossa diversão eis que surge A Hora do Espanto (1985) filme de estreia de Tom Holland, outra obra “oitentista” que completa em 2015, 30 anos de existência. É um exemplar que mostrou que os vampiros ainda tinham espaço no cinema e gás de sobra (ou seria sangue?) para oferecer aos fãs de horror. Charlie Brewster (William Ragsdale ator carismático que infelizmente desapareceu) é um típico jovem americano suburbano, preocupado apenas em estudar, assistir seu programa de terror favorito comandado por Peter Vincent (Roddy McDowall, divertidíssimo) e finalmente transar com a namorada Amy (Amanda Bearse). Este panorama muda com uma onda de assassinatos na sua cidade, o que o leva a desconfiar que seu novo vizinho Jerry Dandrige (Chris Sarandon, ótimo no papel) possa estar envolvido nas mortes e ser na verdade um vampiro.

O grande barato do filme é que ele acerta exatamente no que as outras produções realizadas nas últimas décadas falharam ou não se preocuparam: modernizar o mito do vampiro a sua época contemporânea em questão. Holland é um cineasta que pelas ideias do seu roteiro, mostra o quanto admira e respeita as convenções deste subgênero. Toda a fórmula vampiresca – estacas, cruzes, caixões, névoa, água benta e demais regras da mitologia dos filmes clássicos – se fazem presentes aqui e muito bem conservados dentro de uma embalagem renovada que se apropria do texto cínico do autor para colocar o vampiro na América dos anos 80. Troca-se a Londres cheia de classe por um subúrbio cafona americano com suas trilhas sonoras bregas e roupas extravagantes.

Há dois momentos (um seguido do outro) em A Hora do Espanto que sintetiza bem este diálogo (ou olhar) entre o clássico e o novo: a primeira quando Jerry persegue Evil Ed (Stephen Geoffreys) em um beco. Muda-se às vielas londrinas elegantes, assustadoras, repletas de névoa e entra um beco americano vagabundo, sujo e fumacento, mas filmado com certo fascínio por Holland, onde processo de “vampirização” ganha uma nova roupagem e o clássico vampiro assume o estilo B dos filmes de baixo orçamento, a de postura sarcástica e cínica, mas sem perder o charme sedutor e elegante para atacar suas vítimas. O formato muda, no caso o tempo e espaço, mas toda as convenções e regras dos filmes de vampiros continuam na sua essência.

Em seguida dela, temos outro momento memorável em uma discoteca, onde Jerry seduz eroticamente Amy embalado por uma música cafona de Ian Hunter, Good Man In A Bad Time. De certa forma, aqui fica mais evidente o processo de modernização. O vampiro de Jerry não precisa da capa (ou vestimenta) preta habitual e nem estar inserido em castelo empoeirado. Ele dança conforme a música, veste-se de acordo com o figurino hype da época com o uso de um sobretudo neutro que esconde por debaixo a echarpe vermelha e a roupa de grife. É uma cena deliciosamente cafona e ao mesmo tempo sensual, de grande força retro. É o legítimo vampiro oitentista, fã do rock e pop dos anos 80 (com seus sintetizadores elaborados), sexualizado, debochado e cheio de malícia na sua natureza.

O roteiro é outro aliado para exalar o carisma do filme. Homenageia tanto o gênero de suspense – há uma citação mais do que velada a Janela Indiscreta de Hitchcock –  quanto as comédias adolescentes da década de 80, na qual a sexualidade (como exige a cartilha vampiresca) faz-se presente nas entrelinhas do texto, sempre atuando como uma força impulsiva e agressiva que move os personagens para enfrentarem os seus medos e inseguranças. A própria jornada de Charlie contra Jerry, exala sensualidade e perigo, coloca o espectador como um mero voyeur deste embate. Reparem o quanto o filme é carregado de mistério e uma ameaça sempre crescente dando a sensação que à medida que se desenvolve, a atmosfera claustrofóbica aumenta e a realidade desaparece para dar abertura ao mundo fantástico. É sem dúvida neste momento que ocorre o ápice da A Hora do Espanto: delimita a fronteira entre o real e o sobrenatural o que vai de encontro com a fala de Jerry em determinado cena “Bem-vindos à Hora do Espanto… de verdade! ”.

Holland não deixa de explorar a veia humorística do seu roteiro, principalmente quando Peter Vincent ironiza dentro do próprio filme, a situação relegada dos vampiros no cinema “Sabe porque fui despedido? Por que os jovens de hoje não acreditam mais em vampiros. Só querem saber de assassinos com máscaras de hóckey perseguindo meninas inocentes. Ele ousa também quando satiriza certas convenções do subgênero, na figura do caçador de vampiros Peter Vincent (o nome é uma homenagem as duas lendas Peter Cushing e Vincent Price) que foge do perfil corajoso dos grandes heróis, mostrando-se inseguro e covarde, o que dá um tom cartunesco ao personagem remetendo aos covardes Scooby Doo e Salsicha.

Sem querer ser saudosista, A Hora do Espanto é uma obra que continua atemporal e que pouco envelheceu. Sim, as roupas e trilhas sonoras dos anos 80 estão datadas, mas o seu espírito continua dinâmico e jovial. Talvez o melhor exemplo para uma obra resistir ao tempo no cinema de terror, é o seu enredo e efeitos especiais. Neste último, o ótimo trabalho de Richard Edlund continua interessante, pois criou extensões sem nenhum CGI, somente com os efeitos de maquiagem práticos e o uso de edição da câmera na hora de montar as cenas de transformações. É claro que alguns problemas são nítidos: o ritmo é apressado principalmente no ato final e o personagem Ed Evil é irritante e destoa do restante (atuação de Stephen Geoffreys é forçada e exagerada).

Independente de qualquer coisa, a Hora do Espanto têm a sua importância por resgatar os vampiros do limbo. O seu sucesso de bilheteria abriu caminho para o surgimento de outras obras e o melhor exemplo é Os Garotos Perdidos. No geral é um dos filmes mais deliciosos e divertidos dos anos 80. Dialoga com as obras clássicas assim como repagina os vampiros para o contexto da década na qual foi realizado. A direção precisa de Holland apresenta um verniz leve sem perder o tom dark e assustador. Aos amantes do gênero, é uma obra que tanto mostra quanto crava os seus dentes em um deleite sanguinário de pura diversão.