Nos momentos iniciais de “You Were Never Really Here”, exibido no Festival de Londres deste ano, vemos Joe (Joaquin Phoenix) saindo de uma cena brutal. Impiedoso, ele se evade, por um senso de missão, por algo que não entendemos. Essa imagem traz outra: a da diretora Lynne Ramsay, que já teve duas saídas bastante notórias de produções turbulentas (ela era a primeira opção para comandar os filmes “Um Olhar do Paraíso” e “Em Busca de Justiça”). Em ambos os casos, perguntas sobre sentimentos e motivações chovem na mente do espectador – e nenhum dos dois dará respostas claras.

A escocesa, apesar da pouca produção (ela só tem quatro longas no currículo em uma carreira de mais de 20 anos), se firmou como uma autora que investe em um cinema sensorial que desbrava a mentes de protagonistas desajustados. Joe, por sua vez, é um desses tipos: um matador de aluguel traumatizado por uma infância violenta e péssimas experiências em uma guerra.

O roteiro encontra Joe no fim de um trabalho, em meio à sua rotina com seus contratantes e sua mãe, com quem vive e de quem cuida ternamente. De repente, o resgate da filha de um político, um novo serviço que tinha tudo para ser como os demais, vira uma verdadeira caça sanguinolenta contra Joe, ameaçando todos do seu pequeno círculo social.

A cineasta, que alcançou projeção internacional com seu chocante “Precisamos Falar Sobre o Kevin”, não deixa pedra sobre pedra no assalto contra a moralidade de seus personagens. O mundo de Ramsay tem uma forte pegada niilista e a violência, que rompe inesperadamente, é uma constante força que obriga todos a lidarem com a falta de sentido de suas vidas. Quando Joe descobre sobre o submundo que faz a garota refém, o espectador se sente tão acuado quanto ele diante do horror.

Desinteressada em contar a história de maneira linear, a montagem passeia por memórias e tomadas que apelam completamente para os sentidos para imprimir significado, nos dando uma visão muito mais abrangente de Joe do que seria esperado. É essa abordagem que diferencia este filme de “Taxi Driver”, mencionado em quase todos as críticas à época de sua première no Festival de Cannes deste ano. A influência de um sobre o outro é clara, porém Ramsay expande o tom de “devaneio” do filme de Martin Scorsese para nos mostrar a parte interna de uma mente perturbada. Para todos os efeitos, não estamos vendo Joe, nós somos Joe.

A experiência de ser Joe, por mais abjeta que seja em seus extremos, é proporcionada com lindos detalhes, em especial na parte sonora. Jonny Greenwood, da banda Radiohead, retoma a parceria com a diretora pela segunda vez, entregando sua trilha mais eletrônica, lembrando um Vangelis depois de uma dose de ácido. E o próprio design de som do filme é impecável, com feixes de som vindos de todo lugar, como os fluxos de pensamentos oferecidos no cinema de David Lynch.

No fim das contas, apesar da chuva de influências e de uma história que não é, em si, nova, “You Were Never Really Here” é um soco certeiro no estômago por imbuir seu dúbio protagonista de uma profunda humanidade e por tornar seu universo obscuro tão irresistível que a plateia não consegue, nem deseja, sair.