Adaptar uma história verdadeira em um filme é uma tarefa inerentemente difícil. A vida real raramente segue uma estrutura narrativa organizada e, embora os filmes não sejam obrigatórios para fornecer um arco moral, a falta de um pode dificultar um pouco mais a atenção do público. Isso se torna muito mais difícil quando se tenta discutir a religião dentro do cinema. Filmes mais elaborados, mais reflexivos e menos tradicionais são massacrados pela crítica, como o mais recente filme de Darren Aronofsky, “Mãe!”.  É raro que cineastas da indústria americana se aventurem a discutir um tema tão polêmico como a fé. Diretores de peso como Mel Gibson e seu “A Paixão de Cristo”, Martin Scorsese e seus “A Última Tentação de Cristo” e o mais recente “Silêncio” são apenas alguns exemplos do cinema se envolvendo de cabeça nas particularidades e desígnios da fé, seja o espectador um crente ou não. Agora, é Joshua Marston o cineasta da vez a navegar as turbulentas águas da crença, um assunto pessoal para a maioria das pessoas, e que o cinema por diversas vezes tratou de maneira desastrada.

O novo drama religioso da Netflix, “A Caminho da Fé”, conta a vida do bispo Carlton Pearson (interpretado por Chiwetel Ejiofor, indicado ao Oscar por “12 Anos de Escravidão”), que, no auge de sua carreira, fundou o Centro Evangelístico das Dimensões Mais Elevadas em Tulsa, Oklahoma. Ele pregou para milhares de pessoas – centenas de milhares a milhões, se contar com as transmissões de televisão nacionais. Ele aconselhou os presidentes e até fez campanha por eles. Então, ele teve uma revelação.

No início dos anos 2000, Pearson se deparou com pessoas sofrendo e morrendo no genocídio de Ruanda, um massacre perpetrado por extremistas entre 7 de abril e 4 de julho de 1994. Ele se perguntou: será que Deus realmente mandaria todas essas pessoas para o inferno só porque elas não eram cristãs? O inferno realmente existiu? E assim nasceu o Evangelho da Inclusão e uma polêmica que o faria ser perseguido religiosamente e acusado de heresia.

Pregar que o inferno não existia encontrou um retrocesso significativo. A congregação de Pearson encolheu rapidamente e seus colegas o declararam herege. Em outras palavras, é o tipo de ascensão (e dilema) e queda perfeita para a dramatização. Exceto por uma coisa: não há um final real para a história. O diretor Joshua Marston faz uma tentativa de dar mais forma ao filme dedicando partes do filme à esposa de Pearson, Gina (Condola Rashad, que quase rouba todo o show), e ao seu amigo gay, Reggie (Lakeith Stanfield), mas nenhum dos enredos realmente merece a atenção devida. O arco de Gina chega perto, já que sua relutância em se envolver totalmente com o trabalho de seu marido se transforma em seu mais feroz defensor, mas Reggie fica para trás: a mensagem de inclusão que Pearson está pregando nunca é interrogada por rejeitar a homossexualidade.

Como Pearson, Ejiofor é a única coisa que mantém toda a empresa unida. Como um pregador no limbo, ele cria um espaço de conflito com cada palavra, apresentando um desempenho que tem mais nuances do que o roteiro. Um dos pontos do enredo do filme envolve a composição racial do bloco de Pearson. Como um pregador negro, não é pouca coisa que sua congregação inclua tanto os adoradores negros quanto os brancos, e nenhuma pequena perda quando ele começa a perdê-los. É um ponto que é martelado por Henry (Jason Segel), gerente de negócios da Pearson – bem como uma breve aparição de Martin Sheen como mentor de Pearson, que o chama de seu “filho negro”. Como tecido conjuntivo, Ejiofor facilita o estômago. As lutas de Pearson estão centradas em sua fé, mas vão além disso para sua esposa, seus colegas e sua comunidade. Ejiofor toca tudo lindamente. Não há drama, aprofundamento dos personagens ou das temáticas que são levantadas – tudo fica pairando no ar esperando que o próprio espectador tome uma decisão de ligar as nuances.

Ao contar tudo isso, a primeira metade de “A Caminho da Fé” até chega a ser fascinante – uma história muito interessante sobre um pastor que desafia a repensar os ensinamentos da Bíblia; mas, infelizmente, o filme não consegue levar tudo isso para frente. A melhor cena é um confronto espantosamente iluminado entre Pearson e o Conjunto de Bispos Pentecostais Afro-Americanos, que mais parece uma santa inquisição. A atmosfera é preparada para um debate teológico genuíno, mas aqueles que estão procurando por isso ficarão desapontados. Basicamente a cena se resume em: “Retire o que você disse sobre o inferno!” “Não.” “Bem, tudo bem.”.

Depois disso, ainda há muito filme e não há muito drama para recarregá-lo. No final de tudo, “A Caminho da Fé” é uma história sobre um cara que saiu do roteiro e perdeu o emprego devido às forças do mercado. Esse tipo de coisa acontece o tempo todo. Não há muito escrutínio no negócio da religião no filme, nem há um cálculo da deplorável homofobia da igreja, que ronda o personagem de Reggie.

O filme mais se aparenta com um “Nada a Perder” em versão americana, pois há pouco do aspecto da religião organizada. O pastor se importa muito com o status, com a perda de fiéis e principalmente com o lucro que não ganhará sobre sua declaração polêmica.

Ejiofor é ótimo mesmo nas cenas que não vão a lugar nenhum. Aqueles que encontram o céu aqui na terra na forma de performances de filmes fortes devem comungar com o “A Caminho da Fé”. O resto pode dormir. Se você está procurando um relato da história de Pearson, talvez seja melhor ouvir o episódio Heretics (Hereges) do programa de rádio e podcast, “This American Life”, no qual o filme é baseado. Embora o filme seja um raro drama religioso imparcial, os limites colocados por suas origens na vida real o colocam impasse em que o filme precisa se tornar interessante ou não. O sermão é uma bagunça, mas o pregador, pelo menos, é magnético. O filme é sobre uma crise de fé – e passa por uma, em si. Mas a pergunta que fica é: deveria se ater à história ou adicionar algo extra para torná-la pop?