Você já se perguntou como funciona o processo de escrita? O que inspira um escritor e como este formula suas narrativas e personagens? O diretor Fernando Fraiha (“Choque de Cultura” e “Ninguém Tá Olhando”) tenta responder esses questionamentos em “Bem-Vinda, Violeta”, adaptação da obra “A Cordilheira”, de Daniel Galera, e mostrar de forma prática o duro, solitário e sofrível movimento dessa arte. 

Misturando thriller e drama existencial, acompanhamos Ana (Débora Falabella), uma escritora que se inscreve em um retiro de escrita no interior da Argentina. Perturbada por traumas familiares, busca superá-los por meio da produção textual. Desta forma, “Bem-vinda, Violeta” navega na desordem emocional de uma protagonista que encontra sua própria personalidade em meio a crise das personagens que escreve. 

Fraiha conta com o apoio da direção de arte e da cinematografia de Gustavo Hades (“O Debate”) para nos inserir no clima inóspito, frio e hostil que o retiro de Holden (Dario Grandinetti) exala. A grande sala com móveis espaçados e em tonalidade escura, o frio que faz com que Ana esteja sempre em busca de uma coberta são pequenas amostras de como o escritor lida com seu laboratório literário e aqueles que o frequentam.

A luz natural e as cores opacas auxiliam o mergulho na angústia que “Bem-Vinda, Violeta” nos empurra, enquanto nos aprofundamos na confusão mental de Ana, em que ora se vê como a escritora e ora torna-se Violeta, a protagonista de sua produção. Para fazer isso, a edição aposta em elipses para que compreendamos a desordem psicológica da personagem de Falabella. 

O PERIGO DE UM ESCRITOR MOTIVADO

Por outro lado, esse dilema não é exclusivo dela. Aos poucos, todos os participantes do retiro demonstram ser um pouco dos personagens que escrevem. Como se o convívio com sua própria arte os fizesse sentir-se como as personas que criam. Ou será que os personagens refletem seus escritores? De certa forma, “Bem-Vinda, Violeta” se permite tentar responder essa pergunta ao dividir a sua narrativa em capítulos no qual se aprofunda em personas específicas. 

Desde o cozinheiro que escreve sobre um açougueiro a americana que fala acerca de uma cleptomaníaca, cada capítulo apresenta lugares, motivações e os sentimentos das figuras que acompanham Ana em seu retiro. Assim corrobora a frase de Holden de que “não há nada mais perigoso do que um escritor motivado”. O curioso em tudo isso é notar o fio de complexidade que o roteiro expõe para nos levar a refletir sobre o subconsciente humano e como este interfere no processo artístico.

Como em “Pendular” que Júlia Murat utiliza o espaço e os relacionamentos para discutir o fazer artístico, em “Bem-vinda, Violeta” o ambiente é uma proposta para que compreendamos as intempéries da arte escrita. Em vários momentos, o filme debate o desapego de nossas próprias palavras e o quanto esta ação implica em sofrimento, a agrura que é registrar o que sente tanto em palavra escrita, cantada ou na descrição de imagens. Nas palavras de uma música que gosto muito “eu canto e escondo o grito”. 

Este pode ser a inquietação que acompanha o escritor por toda sua vida, mas os temas que debate não seriam as tempestades que também o acompanham em toda sua jornada? Fraiha reflete sobre isso ao passo que atenua a insegurança do autor quando questionado ou que não está resoluto em suas próprias palavras.

Ana é uma figura insegura, em busca de aceitação que não lida bem com críticas, ela enxerga em Violeta seu contraponto, aquilo que nunca seria, mas até que ponto acompanhamos ela ceder lugar a Violeta e não se permitindo ser quem é em essência?

“Bem-vinda, Violeta” é profundo e reflexivo, entregando algumas das inúmeras maneiras de explorar a criatividade e como ela pode nos conduzir à beira do penhasco, literalmente. Afinal, não há nada que explique melhor uma pessoa do que as fantasias que ela tem. Certamente, é um filme para se refletir em meio aos impactos do processo de escrita.