Não são poucos os filmes que se apoiam quase que exclusivamente na construção cuidadosa de certa atmosfera, uma sensação que vai sendo amplificada ao longo da duração da obra e que cativa mais que os passos apresentados em termos de narrativa. Recentemente, “Ex machina” (2015) e “Sob a pele” (2013) fizeram exatamente isso, sendo tanto elogiados quanto criticados pela proposta.

Dito isso, é importante frisar desde o início deste texto sobre “A colina escarlate” o quanto Del Toro se esforçou para emular suas referências nesse terror gótico . No entanto, ao ficar pelo meio do caminho entre o esmero para criar a tal atmosfera e a homenagem a escritores clássicos da literatura como Mary Shelley, seu filme resultou num produto agradável de ver, mas irregular em termos de uma avaliação mais rigorosa. Culpa das expectativas criadas pelo retorno do diretor a um gênero em que ele investiu com tanto sucesso há quase uma década atrás, com “O labirinto do fauno” (2006)? Talvez.

 Mais fácil começarmos pela parte em que podemos julgar o filme como um “produto agradável”, o que resvala diretamente na sinopse na obra. Edith Cushing (Mia Wasikowska) é uma jovem inocente e determinada, filha de um rico industriário que se dedica à carreira de escritora. Dedicar-se não é bem a descrição mais exata, posto que isso pouco influencia nos fatos apresentados no filme, mas enfim, entra para a cota de referências/homenagens do longa, quando ela se diz admiradora de Mary Shelley e empresta o sobrenome de Peter Cushing

Voltando à trama, Edith passa a ter contatos repetidos com a figura do fantasma da mãe, que lhe alerta quando aos perigos de uma “colina escarlate”. Nesse meio tempo, ela conhece e se apaixona por Thomas Sharpe (Tom Hiddleston, esbanjando charme gótico), o que culmina com o casamento dos dois e a mudança para uma mansão cheia de fantasmas e segredos envolvendo ele e sua irmã, a sinistra Lucille (Jessica Chastain).

Não é de hoje que Wasikowska é convincente como uma mocinha de boa índole que se encontra em situações inusitadas (vide “Alice no país das maravilhas”), de maneira que o público médio não tem dificuldades de sentir empatia pela protagonista de “A colina escarlate”. Hiddleston também domina a “arte” de interpretar homens misteriosos e excêntricos sem seguir a escola de interpretação exagerada de Johnny Depp. Seu Thomas pode até ser um tanto clichê, mas não deixa de ser um personagem magnético e um contraponto interessante ao papel estereotipado de Jessica Chastain. Ironicamente, é a personagem vilanesca e absurda de Chastain que tem mais carisma, imprimindo algo próximo do memorável ao elenco do filme, que no geral é subutilizado na trama previsível.

O visual gótico também é digno de nota, com um belíssimo trabalho de fotografia, direção de arte, figurino e efeitos especiais em “A colina escarlate”. Para a parcela do público que busca um filme de terror ambientado na passagem para o século XX com tudo que se espera em termos de visual, o longa é um deleite. Cores, iluminação e texturas remetem diretamente ao imaginário que o cinema construiu para a época em que se passa a história.

A mansão dos Sharpe, palco das revelações sombrias do filme, é quase um organismo vivo (ou morto-vivo?), com fantasmas e diabruras que se moldam às diferentes situações na trama. Passa a impressão que Del Toro quer realizar tudo o que os diretores de décadas atrás não conseguiram antes por questões técnicas, uma vez que os efeitos de outros tempos não permitiam tamanha naturalidade na exposição dos elementos sobrenaturais dos filmes de uma Hammer, por exemplo.

Quem tem medo de fantasmas?

Com um elenco de qualidade, fartas referências da literatura e da história do cinema e ótimos recursos técnicos para recriar o universo gótico, era de se esperar que o talento de Del Toro fosse a cereja do bolo para uma combinação certeira. Infelizmente, o diretor erra a mão ao apostar sempre em sacadas previsíveis para a trama de “A colina escarlate”.

Por mais que queira prestar homenagem ao gênero terror, o mexicano parece ter esquecido que esse tipo de filme joga constantemente com o inesperado para gerar o impacto. Nele, a criação de expectativas de susto para o espectador deve ser muito bem dosada para surtir efeito, mesmo quando acontece exatamente aquilo que o público achava que ia acontecer. A brincadeira está em nunca saber quando a expectativa será cumprida.

O roteiro nada surpreendente de Del Toro e Matthew Robbins impede a todo o momento que “A colina escarlate” saia do campo do “filme bacana” para o campo do “filme memorável”. Essa escolha criativa faz com que mesmo personagens dinâmicos como o de Hiddleston percam impacto, gerando a sensação de que tudo aquilo que vê no filme já foi visto antes, só que de maneira mais bem executada, embora essa versão específica não seja de todo ruim. O que é quase o mesmo que dizer que se trata de um filme esquecível para muita gente.

O que nos leva de volta ao ponto apresentado no segundo parágrafo, lá no início desse texto, onde se lê que o filme é “irregular em termos de uma avaliação mais rigorosa”. Del Toro possui a capacidade singular de criar mundos inusitados e envolventes, como ele fez antes não só com “O labirinto do fauno”, mas também com “Hellboy” (2004) e “Círculo de fogo” (2003); logo, é mais que natural para a parcela do público de cinéfilos mais cricris e de admiradores do trabalho do mexicano esperar sua superação como artista. Não foi dessa vez. “A colina escarlate” não representa nenhum grande arranhão na carreira do diretor, e podemos aguardar com certa tranqüilidade do encaixe perfeito de forma e conteúdo, proposta e concepção.