Entre acertos e erros, a franquia Animais Fantásticos experimenta uma melhora em Os Segredos de Dumbledore, nova investida da roteirista e criadora do fenômeno Harry Potter, J. K. Rowling, e do diretor David Yates no universo mágico que ambos vêm estabelecendo com esses novos filmes. Que fique claro, Os Segredos de Dumbledore ainda está longe de recuperar o encanto dos filmes de Harry Potter, e alguns problemas que agora parecem inerentes à franquia continuam a afligi-lo. Mas ele, com certeza. é bem melhor que o modorrento capítulo anterior, Os Crimes de Grindenwald (2018).

No novo filme, Alvo Dumbledore (vivido por Jude Law) reúne Newt Scamander (Eddie Redmayne) e seus amigos em um plano para enfrentar o nefasto Grindenwald (Mads Mikkelsen, substituindo o demitido Johnny Depp), que está empenhado em ser eleito mago supremo pela Confederação Internacional dos Bruxos, primeiro passo nos seus planos de declarar guerra ao mundo trouxa. E o principal aliado do vilão no plano de dominação mundial é o jovem Creedence (Ezra Miller), parente de Dumbledore.

Ah, e há uma candidata brasileira na eleição, a bruxa Vicência Santos, interpretada por Maria Fernanda Cândido – ela aparece em algumas cenas e só tem uma fala, então quem for assistir esperando uma grande participação na trama pode conter as expectativas.

 IMAGINAÇÃO E POLÍTICA

Como Grindenwald tem certa capacidade para prever o futuro, os heróis precisam de uma dose de criatividade para enfrentá-lo e aí vem uma qualidade de Os Segredos de Dumbledore: apesar de relativamente simples, a trama é criativa e consegue manter o interesse do espectador com surpresas bem jogadas ao longo do filme.

Contribui, nesse aspecto, a volta de Steve Kloves – roteirista da saga Harry Potter no cinema – como colaborador de J.K. Rowling. Porque, como os filmes anteriores comprovaram, ela pode até ser uma boa escritora, mas não quer dizer que seja boa roteirista – sozinha, o texto dela, sem dúvida, mais atrapalhou que ajudou os longas anteriores.

E para ser justo com a autora, o filme tem sim imaginação: algumas situações criadas e criaturas chegam perto de recapturar um pouco da magia de Potter. Além disso, dois elementos do roteiro conferem ao filme relevância e peso dramático, duas coisas sempre bem-vindas nesse tipo de produção: Os Segredos de Dumbledore trabalha com temáticas políticas e de tolerância sexual dentro da sua narrativa.

Afinal, o filme estabelece Grindenwald basicamente como um supremacista, e em várias cenas se criam paralelos entre ele e outros líderes terríveis que foram eleitos, no passado remoto e recente da História mundial.

E a repressão ao romance entre ele e Dumbledore, que enfrentavam uma sociedade hostil ao amor entre dois homens, acaba sendo a causadora de vários dos problemas da trama. Também ajudam as ótimas atuações de Law e Mikkelsen – e desculpem, fãs de Johnny Depp, mas com um mero arquear de sobrancelhas, Mikkelsen estabelece a força e a ameaça de Grindenwald de forma mais efetiva que seu predecessor. Mesmo assim, seria divertido se os produtores brincassem mais com isso e mostrassem outro Grindenwald no próximo filme, já imaginaram? Uma franquia hollywoodiana trocando de ator que faz o seu vilão a cada filme… Eu, pelo menos, acharia interessante, mas não dá para reclamar de Mikkelsen retornando no próximo.

CARINHA DE SÉRIE

Esses são os acertos. Porém, não dá para ignorar os erros, que ainda tornam este novo exemplar de Animais Fantásticos algo problemático. Certas decisões narrativas são difíceis de compreender: neste, Dumbledore mais do que nunca é protagonista. Scamander é um herói muito sem graça e sem carisma e a atuação de Redmayne não ajuda em nada a torná-lo mais interessante.

Sentimos mais temor pelo destino do seu amigo Jacob (o ótimo Dan Folger) do que pelo do próprio herói e quanto a Dumbledore, sabemos que ele não morrerá também. Além disso, depois de tanta antecipação pelo que Creedence faria depois de dois filmes, o personagem é bem desperdiçado aqui – a atuação de Miller também é muito qualquer nota.

E não dá para escapar da sensação de que toda essa nova franquia foi concebida quase como uma série de TV, com a resolução definitiva sempre sendo prolongada para o próximo capítulo – precisavam mesmo ser cinco filmes ao todo? Esse aspecto de produto, essas concessões ao projeto de estúdio para manter a máquina do mundo bruxo girando mesmo com a saga Harry Potter encerrada, acaba atuando contra toda a tentativa de Rowling, Kloves e Yates de fazer um filme realmente bom e que tenha relevância para os nossos tempos. Animais Fantásticos até tem lampejos de imaginação e de magia, mas tem também seu lado burocrático e comercial que interfere na história sendo contada.

Para os fãs, a paradinha que os heróis fazem em Hogwarts pode ser suficiente para despertar o encanto que sentiram anteriormente. Para o resto do público, o que fica é um filme mediano que podia ser melhor, se acreditasse mais na própria magia e arrumasse alguns detalhes da história que está narrando. Mas depois daquele filme anterior, bem, qualquer avanço é bem-vindo.

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