Robert Zemeckis é, pelo menos, para mim, um dos diretores mais subestimados do cinema. Talvez, isso explique o fato, que apesar de ter realizado obras memoráveis como a trilogia De Volta para o Futuro (1985-1990), Forrest Gump (1994); Contato (1995) e Náufrago (2000), o cineasta geralmente é relegado ao esquecimento na lista de grandes diretores em atividade. E o fato de seu novo trabalho, Aliados ganhar os holofotes de atenção da mídia pelo suposto affair entre Brad Pitt e Marion Cotillard nas filmagens, do que propriamente pelos méritos de envolvimento do diretor com filme, ajudam a colaborar com a minha “teoria da conspiração” de que há algo realmente de estranho em torno do cineasta.

Deixando de lado as polêmicas e falando da produção em si, Aliados para o nível de qualidade do diretor é um trabalho mediano, repletos de altos e baixos durante os seus 120 minutos. Mesmo assim, é preciso ressaltar que se tem algo que evita o longa de ser um desastre por completo, ele atende pelo nome de Zemeckis. Nas mãos de qualquer outro diretor operário padrão de Hollywood (acreditem, há muito deles), o filme seria um suspense dramático romântico barato, um “clássico” digno do Supercine.

Assim como Revelação (2000) era uma espécie de carta de amor de Zemeckis aos filmes de suspense de Hitchcock, o novo longa-metragem é uma tentativa de reverenciar a Hollywood clássica. Cada fotograma, situações e enredos oferecidos pelo filme, remetem aos dramas românticos épicos da segunda guerra mundial, do clássico Um Passo da Eternidade (1953) de Fred Zinnemann ao maravilhoso Casablanca (1942), de Michael Curtiz, que tinha na bela cidade marroquina, o cenário romântico ideal para Humphrey Bogart e Ingrid Bergman e abriga também por sinal, o encontro dos espiões Max Vatan (Brad Pitt) e Marianne Beauséjour (Marion Cotillard).

Aliados é construído sobre duas frentes narrativas: a primeira se passa em 1942 e mostra o agente de inteligência britânica  Max Vatan e a espiã francesa Marianne Beausejour em uma missão para eliminar um embaixador nazista no Marrocos, onde se apaixonam. Na segunda, encontramos os dois casados e construindo uma família durante a segunda guerra mundial. Contudo, alguns indícios apontam que Marianne é na verdade uma espiã nazista, levando Max ao conflito em ter que ficar ao lado da pátria ou ser um desertor, assegurando o amor pela esposa.

O primeiro ato do filme é sem dúvida, o mais frágil. Steven Knight roteirista do filme, já mostrou bons acertos neste quesito, nos ótimos Locke (2014) e Senhores do Crime, mas também tropeçou bonito, abraçando o capeta em Pegando Fogo (2015). Em Aliados, ele falha nesta parte inicial, mostrando-se apressado em construir o afeto entre os dois protagonistas. Esta falta de tato na construção da trama principal, que exigia mais paciência e que é praticamente a mola propulsora da maioria dos filmes clássicos de outras épocas gera um filme corrido em alavancar a relação romântica entre os espiões, assim como torna certos momentos arrastados, evidenciando os preciosismos narrativos equivocados do texto.

Muitas vezes, temos a sensação que compreendemos os personagens mais pelas suas ações e posturas como espiões do que suas atitudes como homem e mulher. O roteiro por sinal, também falha em explorar a psique de um espião entre a vida profissional e a real, deixando que este argumento interessante, sem força principalmente na segunda metade do filme onde ele é fundamental.

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É nítido que se algo impede o público de não abandonar os personagens por completo neste início, se dá pelo esforço dos dois astros, Pitt e Cotillard. Sinceramente, falta química entre os atores em cena – que coloca por terra, a fofoca de envolvimento entre eles nos bastidores -, contudo ambos individualmente defendem com firmeza seus personagens. O ator tem sua missão mais facilitada pelo texto, que dá destaque maior para seu espião, permitindo dar consistência necessária ao sujeito que se apaixonou pelo inimigo. Aqueles que reclamam dele não expressar emoções no filme, talvez não entendam a dificuldade que é fazer cenas deste tipo, com toneladas de botox no rosto. Pior para Cotillard que precisa se desdobrar para dar camadas misteriosas a sua Marianne, deixando-a mais intrigante – próxima de uma Femme Fatale – em relação suas ações do que como o próprio texto constrói sua personagem. Mesmo assim, é fácil constatar que tanto Brad e Marion estão luzes de distância das suas melhores atuações.

Vale ressaltar que este primeiro ato mesmo inconsistente narrativamente, ganha charme pelo trabalho de câmera de Zemeckis, que além de entregar uma linda atmosfera vintage do cinema clássico, oferece movimentos carregados de maneirismos e planos elaborados. A cena de amor entre os espiões dentro de um carro no meio de uma tempestade no deserto poderia soar cafona na mão de qualquer outro, mas o cineasta utiliza um mirabolante travelling circular que mostra toda sua habilidade de artesão, deixando a composição uma das grandes marcas visuais do filme. Este visual é também destacado pelo trabalho de fotografia de Don Burgess e de figurino de Joanna Johnston (indicado merecidamente ao Oscar), mostrando que no quesito direção de arte, Zemeckis colocou a equipe para trabalhar e foi recompensado pelo ótimo trabalho dos envolvidos.

Já no segundo ato, a impressão é que temos um filme mais dinâmico do ponto de vista narrativo, ainda que o início inconsistente, acabe trazendo prejuízos notórios para a última parte. Pelo menos neste segundo momento, o longa consegue trafegar entre a ação, o drama e o romance histórico de  modo mais fluído. Os elementos de suspense e espionagem ganham ares e dimensões mais interessantes, que rendem uma ótima homenagem ao mestre Hitchcock na sequência em que Max e Marianne resolvem dar uma festa na sua casa. Além de filmar o local com tons progressistas (sexo, drogas e insinuações perversas de morte, algo que o cineasta careca adorava), Zemeckis explora bem o conflito psicológico de Max ao evidenciar sua tensão em relação à dualidade da sua esposa: ela é ou não uma agente dupla?

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O roteiro neste momento produz eficazmente, a dúvida na mente de quem assiste, ao inserir um novo elemento na trama que não merece ser contado aqui, para não estragar surpresas de quem ainda não viu o filme. Este componente permite que a sensação de suspense e paranoia, cresça consideravelmente e aos poucos, estamos totalmente envolvidos dentro do conflito moral, amoroso e psicológico de Max. Pena que mesmo corrigindo certos problemas da primeira metade, o roteiro de Knight insista no drama romântico novelesco, que nunca atinge o clímax necessário para agradar o público como acontecia com os clássicos da década de 40 e 50. Logo, a trama de suspense e de mistério em torno da identidade de Marianne que é a mais interessante do longa, fica relegada ao segundo plano.

O que temos ao final de Aliados é um trabalho mediano. Ele é simples, elegante e classudo, acima da média quando comparado aos lançamentos nos últimos anos.  Pela sua versatilidade e talento em contar histórias, Zemeckis jamais deixa o filme como algo dispensável, mesmo que até o seu maior fã (sou Bitch dele, assumo) reconheça como o mais fraco da sua safra recente, desde que voltou da fase das animações. É um Casablanca requentado do novo século, que apesar das boas intenções não consegue elevar o seu romance para outro patamar como o clássico de Curtiz fez, mesmo assim, tem seu charme.