Considerado o pior local para se morar nos EUA, Detroit simboliza a crise econômica do país: 50 mil famílias despejadas das casas por não pagar hipotecas, 78 mil casas e apartamentos abandonados, dezenas de trabalhadores desempregados, índice de homicídios seis vezes maior que o de Nova York, decréscimo populacional (de 1,8 milhões para 750 mil pessoas). A concordata anunciada pelo governo estadual no dia 3 de dezembro de 2013 somente selou o mau momento de uma cidade conhecida por ser a força da indústria automobilística americana ao sediar multinacionais como General Motors, Ford e Chrysler.

Se houve uma figura descaracterizada no mundo pop atual estes são os vampiros. Desde o bobinho Barnabas Collins (Johnny Depp) em “Sombras da Noite” até a turma kitsch do seriado “True Blood”, os sucessores do Drácula se mostraram inofensivos e sem o charme de tempos antigos. Para piorar, a chegada de Edward Cullen na saga “Crepúsculo” transformou os vampiros em seres patéticos ao ponto de brilhar para a garota amada. Nosferatu iria pegar um bronze por conta própria de desgosto.

“Amantes Eternos” reúne Detroit e vampiros para lamentar sobre os rumos dos nossos dias através de Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton). Passional, ele vive na cidade americana e está em crise existencial, enquanto ela mora em Tânger, no Marrocos e vai salvar o amado. Tudo vai se ajustando aos poucos, mesmo de forma depressiva, até a chegada da agitada irmã de Eve, Ava (Mia Wasikowska).

Conhecido por obras como “Dead Man” e “Flores Partidas”, Jim Jarsmuch escreve e dirige “Amantes Eternos” com o olhar melancólico de alguém sem esperança para o mundo em que vive. Vitrolas, discos em vinil, guitarras e violões antigos, constantes referências a mestres da literatura (Lord Byron, William Shakespeare, Christopher Marlowe, Daisy Buchanan de “O Grande Gatsby”), da música (Franz Schubert, Joe Cochran, Eddie Fisher) e da ciência (Galileu, Fibonacci, Newton, Copérnico, Tesla, Einstein) compõem o cenário de Adam como uma pessoa desanimada com a falta de perspectiva da atualidade. As distorções, quase ruídos, apresentadas pela música sem letra feita pelo protagonista são uma espécie de grito de desespero.

O ponto central desse incômodo está na restrição à imaginação humana e como a criação está inibida em época tão voltada apenas ao consumo e ao dinheiro, sendo todos nós zumbis ambulantes incapazes de pensar. Tudo isso, segundo a proposta do filme, acaba por tornar o mundo menos interessante. O acúmulo desse cenário devastador está apresentada em Detroit com seu antigo teatro repleto de risos e choros trazidos pela arte como local de um estacionamento para carros abandonados e o sono constante de Adam e Eve até durante a noite.

Mesmo com críticas pertinentes sobre os rumos da sociedade atual, “Amantes Eternos” parece sempre embarcar em uma nostalgia incômoda de olhar para o passado e dizer que hoje nada é bom. Jarmusch e Adam estão em busca de nomes icônicos para representar a nossa era e, como não encontram, encaram o mundo e as pessoas como verdadeiros talentos em potencial desperdiçados. O auge da depressão é ao falar do rios e petróleo e a impressão é que a metralhadora giratória perdeu o rumo.

Se por um lado não temos Shakespeares ou Newtons (quem sabe eles não estão por aí?), muitas coisas de qualidade são produzidas dia após dia na surdina ou sem tanto alarde na grande mídia. A comparação fica ainda pior ao analisar os avanços da ciência capazes de permitir melhoras nos campos da genética e da medicina impensáveis há 30 anos. Tudo fruto de trabalho em conjunto de milhares de cidadãos mundo afora que acabam não sendo reconhecidos publicamente.

Tanto pessimismo, pelo menos, acaba compensado pelas divertidas sacadas exibidas pelo filme frutos de um humor sutil. Tiradas como o picolé de sangue, a verdadeira identidade de Shakespeare e Los Angeles ser a central dos zumbis surgem quase imperceptíveis e acabam dando um charme a mais para “Amantes Eternos”. A dupla de atores funciona para o clima do filme ser ainda mais meticuloso: Tilda Swinton compõe novamente mais um ser enigmático, enquanto Tom Hiddleston mostra amadurecimento como ator dramático capaz de ter momentos humorados. Com homenagem a clássicos do rock como “Can’t Hardly Stand It” e “Funnel of Love”, a trilha sonora se torna outra atração dentro do filme que possui uma forçada de barrada desnecessária ao incluir a personagem de Mia Wasikowska para fazer a trama seguir.

O tom do discurso pode soar exagerado muitas vezes, porém, “Amantes Eternos” traz alegorias interessantes e se torna um filme charmoso. Nada melhor que colocar os cada vez mais deslocados vampiros para viver em uma Detroit despedaçada como símbolos do mundo moderno.

amantes eternos jim jarmusch tilda swinton tom hiddleston