Chega a ser irônico fazer este post.

Em 2013, escrevi sobre o mau começo do Amazonas Film Festival após a decisão de se extinguir o tapete vermelho do evento. Um debate se formou na seção de comentários do post e originou textos com pedidos de atenção ao risco do término do curso técnico de audiovisual da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

O cenário se inverteu completamente em 2014. Enquanto o curso da UEA se estabeleceu e já tem confirmado uma nova turma para o ano que vem, o Amazonas Film Festival simplesmente não foi realizado. Não teve nem tapete vermelho para gerar debate. Nenhum filme chegou a ser exibido e o maior evento de cinema do Estado ficou pelo meio do caminho.

Já para 2015, nada se sabe sobre o Amazonas Film Festival. A possível mudança na política cultural com o fim do reinado de Robério Braga na Secretaria de Cultura do Estado (SEC) e a chegada do atual deputado estadual, Tony Medeiros, leva a questionar qual será o caminho do evento no futuro. Apesar das declarações do governador José Melo ao Cine Set, a verdade é que sabemos como as coisas funcionam no Brasil: o pouco zelo com o trabalho do antecessor para firmar uma política nova iniciada do zero costuma deixar um rastro de abandono.

O Amazonas Film Festival era para ser uma conquista cultural do estado. O respeito adquirido pelo evento ao longo dos anos no meio cinematográfico do país era visível, atingindo o auge com exibição em primeira mão de “Xingu” meses antes do lançamento oficial. Nem mesmo a diminuição necessária do evento para se voltar mais para o cinema em si do que para o glamour o fez perder relevância. Acima de tudo, goste ou não, a produção audiovisual no Amazonas foi estimulada pelo festival a ponto de revelar muita gente boa (Rod Castro, Rafael Ramos, Zeudi Souza, Everton Macedo) e abrir portas para figuras de destaque como Sérgio Andrade e Aldemar Matias. O evento era onde se tinha um panorama do caminho trilhado pelos realizadores da região, onde podiam discutir entre si e debater com gente de fora experiências enriquecedoras sobre a sétima arte.

Por isso, a não realização do evento em 2014 é um grande golpe em todo esse legado. A justificativa encontrada pela SEC de que o ano atribulado pela Copa do Mundo e eleições inviabilizou o festival não passa de desculpa esfarrapada (sim, sejamos bem transparentes nos termos, evitando rebuscamentos tolos e desnecessários). Afinal de contas, todos sabiam, desde 2009, que haveria esses dois eventos em Manaus (somente o 7 X 1 foi imprevisível). Se não haveria como realizar o Amazonas Film Festival, então, por que não anunciar isso logo em janeiro para evitar uma novela desnecessária? Dinheiro em caixa, talvez, possa ser o real problema após uma disputa dura entre Eduardo Braga e José Melo pelo governo estadual, porém, até isso é questionável pelos gastos do espetáculo “Glorioso” com as dimensões épicas costumeiras.

Seja qual for o motivo, a triste verdade é que o Amazonas Film Festival não fez falta alguma. Pelo menos, não fez falta para grande parte da população. Durante todos os 10 anos de existência, o evento se fechou nos espaços da SEC sem dialogar com a cidade. O festival era uma grande bolha dentro de Manaus restrito, em grande parte, ao Teatro Amazonas e ao Palácio da Justiça. Quando chegava em regiões como as Zonas Leste, Oeste e Norte da capital amazonense era em espaços desprovidos de estrutura para se apreciar um filme como, por exemplo, um centro de convivência para idosos e até mesmo terminais de ônibus (imagina quão feliz deveria ficar o responsável pelo áudio do longa ou curta ao ter o filme exibido nesses locais?). Aliado ao glamour do tapete vermelho e as estrelas desfilando nos barcos com os animais da fauna amazônica, a imagem do Amazonas Film Festival ficou de um baita evento feito em algum lugar exótico do outro lado do mundo e não algo perto da gente.

O resultado dessa bolha vemos todos as semanas em nossas salas de cinema. Qual grande filme do circuito não comercial chega às salas de exibição em Manaus? Quantos filmes amazonenses as pessoas de todas as classes sociais que vivem em Manaus já viram? Qual a cultura cinematográfica de Manaus que não seja os blockbusters de Hollywood ou as comédias populares brasileiras? Evidente que isso é um fato generalizado, mas, ao contrário de cidades como Belém, Recife e Fortaleza as quais também possuem festivais de cinema forte, não conseguimos ter um mercado alternativo em Manaus para atender uma demanda que deveria ter sido criada por termos um evento respeitado como o Amazonas Film Festival. Muito menos avançamos na criação de um fórum para debater o audiovisual do estado com mais frequência.

A não-realização do Amazonas Film Festival neste ano, entretanto, pode ser um estímulo para quem realmente gosta do setor no estado. Para quem produz cinema (ou audiovisual, como queiram), hora de pensar em alternativas criativas para novos espaços de exibição dos curtas-metragens produzidos no estado seja em associação com cineclubes (Tarumã, Canoa, Baré) ou em parcerias com livrarias como a Saraiva e a Valer, além de mais reuniões para debater o setor como, por exemplo, a verba do Brasil de Todas as Telas e ampliar a participação dos filmes amazonenses em festivais fora do estado. Já para a turma cinéfila, apreciadora dos filmes fora do circuitão, retomar a pressão em cima das redes da cidade pode ser um primeiro passo.

O ideal, claro, não é acabar com o Amazonas Film Festival. Faz-se necessário uma integração maior do evento com a sociedade tanto de Manaus como a do interior do estado. Parcerias da SEC com as prefeituras municipais podem ser feitas para melhorar a circulação, estimulando a população a comparecer aos locais de exibição tanto para apreciar ótimos filmes nacionais e internacionais de difícil circulação como conhecer os curtas e longas-metragens produzidos no estado. Buscar maior integração com a UEA, Ufam e faculdades privadas, além dos cineclubes, pode ser outra alternativa.

Ou podemos esperar o Amazonas Film Festival 2015 cair do céu.
Compre as velas e comece a rezar!