A segunda temporada de “American Crime Story” pode ter no seu subtítulo “O Assassinato de Gianni Versace”, mas essa não é a única história que a série conta e nem mesmo a principal. A produção tenta ambiciosamente abarcar vários subtemas profundos da vida gay, algo que, ao mesmo tempo, é positivo, mas, também se torna problemático. Muito disso, deve-se ao formato de minissérie que o programa se propõe.

A série antológica “American Crime Story” aborda crimes que tiveram uma grande repercussão midiática e entraram na consciência popular norte-americana. Criado por Scott Alexander e Larry Karaszewski, o programa foi transmitido inicialmente pelo canal FX e, agora, entrou no catálogo da Netflix.

Na primeira temporada, o enredo principal foi a história do jogador de futebol americano O.J. Simpson, acusado de assassinar a esposa e um outro homem. A abordagem foi trabalhada na perspectiva judicial da história e, simultaneamente, denunciava a ótica racista da mídia e da opinião pública em torno do julgamento.

Esse é o trunfo positivo dessa temporada. Essa visão da história fez todo sentido, afinal, foi dessa forma que esse fato marcou a sociedade americana. Apresentar a narrativa de maneira impactante e extravagante sobre um julgamento que foi extremamente transmitido pela imprensa e debatido a exaustão nos Estados Unidos conseguiu definir a dimensão desse caso na cultura popular.

Em “Gianni Versace”, a narrativa é pautada pela midiatização dos indivíduos e no histórico de suas vidas. Isso vem do fato de que, apesar da vítima principal dessa história ser famosa, ela não é ponto principal abordado. O assassino Andrew Cunanan é a força motriz para o enredo dessa temporada, não Versace como o título erroneamente deixa a entender. O crime cometido contra o estilista é apenas o ponto de partida da série, sendo apresentada logo na primeira sequência do episódio inicial.

Interpretado por Darren Criss, Cunanan é um indivíduo que nasce em uma família financeiramente simples e traz em si o famoso american dream. O grande “problema” é que Andrew é gay, filho de um imigrante asiático, cresceu em uma família desestruturada e sem nenhuma formação educacional decente. Gradualmente, o personagem demonstra características sociopatas e uma ambição de ascender socialmente através de mentiras e estelionatos.

A série começa a revelar todo esse passado de Cunanan na tentativa de explicar a sua trajetória até o maior momento da vida dele, o assassinato do estilista Gianni Versace. Ao fazer essa retrospectiva da vida de Andrew, a narrativa apresenta suas vítimas em vários episódios. As histórias desses personagens são fascinantes e apontam várias problemáticas da vida homossexual.

Finn Wittrock interpreta o militar enrustido Jeff Trail, vítima de homofobia dentro da Marinha. Já Judith Light faz a viúva empresária Marylin Miglin que descobre a vida dupla sexual do seu falecido marido. E, claro, Versace, vivido por Edgar Ramirez, um gigante do mundo da moda com dificuldade de revelar sua sexualidade publicamente, enquanto lida com o fato de ser portador do vírus HIV.

Todas essas vítimas denunciam temáticas complexas sobre como a vida gay é difícil e complicada. Isso adiciona muitas facetas para o programa, mas não consegue ganhar a devida profundidade. “American Crime Story” vai pulando de tema em tema sem oferecer ao espectador a oportunidade de processar essas problemáticas. O máximo que desenvolve é uma visão empática por esses personagens e seus dramas.

Além disso, algumas histórias contadas na série tem menos peso dramático que outras, principalmente, a parte focada no círculo familiar de Versace. Ricky Martin, Penélope Cruz e Edgar Ramirez se esforçam ao máximo para extrair de cada diálogo algo relevante para série, mas a própria construção narrativa não sustenta isso. O resultado é que, em um momento da temporada, essa parte se torna algo completamente dispensável.

Já que na narrativa o texto de Tom Rob Smith não consegue manter regularidade, ele passa a se sustentar majoritariamente pelos diálogos. São discretos, mas carregados de um peso emocional introspectivo. Uma das melhores cenas da série é o interrogatório policial de um traficante gay que conheceu Cunanan no último episódio.

Esse momento apresenta um texto construído para chegar a uma catarse denunciativa, revelando as diferenças fundamentais entre Cunanan e Versace: o primeiro nunca será lembrado por nada de incrível que realizou, terminando sua vida reduzida publicamente apenas a um assassino homossexual, enquanto o segundo morreu como um gênio da moda e sem sua sexualidade estigmatizar sua obra e sua imagem.

A mídia e a sociedade sempre buscam em figuras LGBT+ que cometeram crimes ressaltar sua orientação sexual ou identidade de gênero, associando esses fatores ou usando-os como justificativa para o caráter negativo desses indivíduos. Homens gays que tiveram grandes contribuições para a humanidade durante a história sempre tiveram sua sexualidade ocultada ou não ressaltada como se essa não fosse um elemento essencial na sua vivência pessoal. Esse é o único momento da série onde ela realmente consegue explicitar ao espectador o estigma de ser gay na opinião pública.

A direção delimitada por Ryan Murphy (“Glee”, “American Horror Story”) preza pela discrição em torno do programa, se opondo a outras obras marcadas pelo exagero e até sensacionalismo. Darren Criss, que apesar de ter feito um bom trabalho, chega a esse resultado muito por causa das oportunidades que o texto lhe oferece para brilhar. Porém, é notório como ele se esforça para chegar nesse nível. Judith Light e Finn Wittrock entregam as performances mais sólidas em momentos impactantes da narrativa, mostrando que nem todos os personagens coadjuvantes saíram sem oferecer algo interessante na série.

No geral, ainda é uma série que merece ser assistida e prestigiada pelo público, principalmente pelo seu valor social, trabalhando temas espinhosos que dificilmente chegam para grandes audiências. “O Assassinato de Gianni Versace” é menos chamativo e exagerado do que a história de O.J. Simpson. Essa decisão criativa foi assertiva na execução do programa, salvando-o de revelar mais problemas em uma narrativa que tenta o tempo todo se sabotar. O peso denunciativo que marcou a primeira temporada continua, mas, a ambição de tentar apresentar várias problemáticas sociais da vida homossexual, infelizmente, acabou não ganhando a profundidade ideal. Talvez um dia possamos ver esses temas trabalhados da forma correta, mas nesse caso, fica para a próxima vez.