Ainda que seja ótimo poder anunciar a existência de mais um musical na praça, Annie decididamente não é um dos grandes. Nem em sua encarnação original, na Broadway, em 1977, quando foi um smash de público e crítica, permanecendo em cartaz por seis anos e ganhando sete Tonys (o Oscar do teatro americano). Ainda assim, apesar da simpatia do diretor Will Gluck na adaptação (a terceira, sucedendo uma opulenta produção de John Huston em 1982, indicada a dois Oscars, e uma versão em telefilme da Disney, de 1999), esse novo Annie não faz jus ao material de origem.

Com uma produção recheada de figurões – Will Smith e Jay-Z na parte executiva, astros como Jamie Foxx e Cameron Diaz no elenco, e a revelação de Indomável Sonhadora (2012), Quvenzhané Wallis, à frente – o trabalho bem que tenta, mas naufraga sob o peso de seu bom-mocismo e star power. Decisões equivocadas em vários fronts – arranjos, coreografias, mudanças no enredo original – tornam o espevitado e até pungente Annie de outrora numa obra colorida, feel-good, completamente genérica, o que diz muito sobre o estado atual dos musicais.

Annie Bennett (Wallis) é uma órfã que vive aos cuidados da megera sra. Hannigan (Cameron Diaz). Em sua rotina cinzenta, ela e as colegas têm de aturar os caprichos da dona do abrigo, uma cantora frustrada, que se oferece a todos os homens que aparecem em sua propriedade. Todas as semanas, Annie vai a um restaurante italiano esperar que seus pais, que a abandonaram logo após o nascimento, voltem para lhe buscar.

A rotina da garota se transforma quando ela esbarra no milionário Will Stacks (Foxx). Homem esnobe e autocentrado, candidato a prefeito de Nova York, ele é convencido pelo assessor (Bobby Cannavale, de Blue Jasmine) de que adotar a criança seria uma tacada brilhante para seus propósitos eleitorais. A vida da menina – e, por seu turno, as de Stacks e da mulher que é seu braço-direito (e pretendente), Grace (Rose Byrne, de X-Men – Primeira Classe) – muda da noite para o dia. Desse ponto em diante, a relação entre Annie e Stacks será o centro da trama.

Annie, o novo filme, toma liberdades que enfraquecem tanto o enredo quanto o score de Annie, a peça. Seu número mais lembrado – “It’s the Hard Knock Life” – ganha uma releitura que lembra mais um episódio de Chiquititas e Glee do que um retrato da vida odiosa na casa de Hannigan. E a tentativa de modernizar os arranjos transformou as canções mais duradouras (“Tomorrow”) em festivais de autotune e batidas de hip-hop – 2014/15 total, mas com muito pouco da atemporalidade que faz as melhores canções do teatro americano.

E há também o problema dos intérpretes. Quvenzhané Wallis surpreende, com sua pouca idade e experiência em musicais, entregando uma Annie contida e graciosa, tendo a seu lado o sempre eficiente Jamie “Ray” Foxx. Mas a maior parte do elenco soa como o filme em si – competente, mas nada especial, à exceção de Rose Byrne, que canta de verdade, mas é pouco aproveitada. Quem realmente atrapalha é Cameron Diaz. Seu gestual exagerado, o excesso de caretas, as tentativas de chamar a atenção em todos os números, são exemplos do que não fazer num musical, lembrando mais a participação desastrosa de Jim Carrey em Desventuras em Série (2005).

Com toda a fofice, a aversão pelos momentos mais sombrios do original, a ambientação hipercolorida e iluminada, este Annie tenta mirar no público infantil, mas o resultado é infantil no mau sentido, uma obra suave, de baixo impacto e pouca criatividade, entretenimento sem maiores apostas, que deve divertir crianças e adultos, mas cuja vida útil não resiste à saída do cinema. Que venham mais musicais, porém.