Vivemos tempos em que a história é questionada sem a mínima base para tal, e isso torna mais emblemático assistir a Be natural: a história não contada da primeira cineasta do mundo em 2018. O filme foca na vida da diretora francesa Alice Guy-Blaché, assim como na árdua e fragmentada pesquisa sobre a criadora do cinema narrativo, dando pistas ao público do quão complexo é descobrir e ordenar registros que posteriormente vêm a sistematizar o conhecimento sobre o passado.

Para cada colocação acerca da diretora, o documentário apresenta vasto embasamento: se Guy-Blaché é citada como um dos presentes na primeira exibição do cinematógrafo dos Lumière, há um documento que o prova; se é creditada como a primeira pessoa a dirigir e escrever um filme narrativo, vemos o filme em si e outras provas que atestam o feito. Tamanha obsessão vem da avidez da diretora Pamela B. Green em apresentar ao público registros que, de outra forma, não seriam tão acessíveis, assim como de alicerçar a importância de Guy-Blaché, uma vez que parte significativa de seu apagamento foi intencional na história do cinema (escrita, em grande parte, pela mão de homens).

Na direção de Green, essa profusão de imagens de arquivo resultam num documentário rico em conteúdo. Os momentos em que ele mais se enfraquece ocorrem apenas quando as imagens de apoio explicam linhas do tempo e ligações facilmente compreensíveis entre personagens, tomando tempo de tela que poderia ser dedicado às imagens diretamente relacionadas à Guy-Blaché, muito mais dinâmicas e relevantes. Os trechos em que se analisam seus curtas, por exemplo, são uma bela chance de observar o quão bem executado foi o corpo de sua obra.

O flerte com uma linguagem quase televisiva se dá, talvez, pela vontade da diretora em tornar o conteúdo o mais facilmente digerível ao público médio, e não apenas a especialistas. A ousadia em termos de formato, nesse caso, é sacrificada em nome da popularização dessa necessária ruptura com o cânone. Ao final, a paixão expressa pelo trabalho de pesquisa e a cuidadosa recuperação de memória ficam também como trunfo do documentário, dedicado a mostrar que, sim, história é construção e releituras são necessárias, mas estas não surgem do nada, o que só firma a relevância de Guy-Blaché nas novas perspectivas do estudo da história do cinema.