O Capitão América é um herói à moda antiga. Quando ele surgiu, nos anos 1940, era uma peça de propaganda – na capa da sua primeira aparição nos quadrinhos, o personagem era visto esmurrando Adolf Hitler! Aquela época, apesar de sangrenta, era mais simples: havia os “mocinhos” (os americanos) e os “bandidos” (os nazistas), e não havia meio termo. Essa atmosfera foi perfeitamente captada pelo deliciosamente antiquado primeiro filme do herói produzido pelo Marvel Studios, lançado em 2011. Um longa, aliás, meio subestimado dentro da filmografia do estúdio: Ele é bem superior, por exemplo, aos dois filmes do Thor ou às sequências de Homem de Ferro (2008).

Ao longo das décadas, os escritores de quadrinhos conseguiram inserir a figura antiquada do Capitão em histórias que o colocavam como o modelo a ser seguido frente a um país corrompido e paranoico. E essa é exatamente a tônica do segundo filme com o herói, Capitão América 2: O Soldado Invernal. A trama concebida pelos roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely – os mesmos do primeiro filme – traz Steve Rogers (interpretado por Chris Evans) ainda no processo de adaptação ao mundo moderno após ter passado décadas congelado.

Depois dos eventos de The Avengers: Os Vingadores (2012), Rogers atua agora como operativo da organização SHIELD, trabalhando em diversas missões sob o comando de Nick Fury (Samuel L. Jackson). Porém, uma dessas missões o leva a obter informações que podem por em risco a organização e o próprio país. A trama coloca o Capitão contra um velho inimigo, um produto da Segunda Guerra tal como ele, e também contra o assassino soviético conhecido como “Soldado Invernal”. O herói só pode contar com a ajuda da Viúva Negra (Scarlett Johansson) e do seu amigo Sam Wilson (Anthony Mackie).

capitão américa 2 viuva negra

Enquanto o primeiro longa do Capitão era uma aventura nostálgica, este segundo é um filme mais sério e até mesmo sombrio em alguns momentos – especialmente para os padrões do Marvel Studios. Agora, o bem e o mal não têm contornos tão definidos quanto na época da Segunda Guerra. A trama aborda o tema da espionagem do governo sobre a população, e as novas armas da SHIELD equivalem, no nosso mundo, aos “drones” com os quais o governo americano consegue atacar seus inimigos à distância.

Fury, que já era um personagem levemente sombrio em produções anteriores dos heróis Marvel, aqui chega a se tornar uma figura quase sinistra. Ele vê o mundo como é, enquanto o Capitão América busca outro caminho. Segundo o herói, a vigilância e as armas secretas vão contra o ideal de liberdade que o país e o personagem representam. E a paranoia que se instaura, quando os heróis não podem mais confiar em ninguém, remete levemente a filmes dos anos 1970 como Os Três Dias do Condor (1975) – semelhança que se torna mais forte devido à presença do veterano Robert Redford, astro de Condor, num papel-chave em Capitão América.

Se essa abordagem funciona, é devido a dois fatores. Primeiro, pela competente condução da história realizada pelos Anthony e Joe Russo. Os diretores com pouca experiência em cinema alcançam um equilíbrio entre as cenas de ação (bem filmadas e energéticas) com cenas de humor e até momentos dramáticos. O humor, apropriadamente, vem em pequenas doses para manter a tensão da história. A produção chega a incluir uma piada “abrasileirada” envolvendo o caderninho do Capitão, no qual ele anota os itens do Século XX necessários para a sua atualização. Já o drama traz um pouco mais de densidade ao filme, nem sempre percebida em outras produções Marvel. A bela cena entre Rogers e a já idosa Peggy Carter, seu amor na época de Segunda Guerra, é um exemplo.

capitão américa 2 soldado invernal

E o outro motivo pelo qual o longa funciona é a atuação de Chris Evans. Há um quê de Christopher Reeve na sua atuação, pois o ator passa uma honestidade e uma empatia ao interpretar o Capitão América comparáveis ao trabalho do falecido ex-intérprete do Superman. Nas mãos de outro ator, o Capitão talvez parecesse ou bobo ou moderno, e essas características com certeza destruiriam o personagem. Já com Evans, o personagem fica inocente na medida certa, fazendo a experiência funcionar. Ele até compensa o fato dos outros atores não terem muito a fazer: Jackson parecer durão e Johansson parecer bonita são coisas que ambos conseguem sem muito esforço. Já Mackie consegue, auxiliado pelos efeitos visuais, fazer do Falcão uma figura mais legal do que o esperado.

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O filme ainda conta com referências espalhadas sobre outros personagens do universo Marvel: Bruce Banner, Tony Stark e Stephen Strange, do futuro projeto do “Dr. Estranho”, são mencionados. No entanto, isso às vezes acaba saindo pela culatra, pois o espectador começa a se questionar porque outros Vingadores não são chamados pelo Capitão para ajudar a resolver uma encrenca tão grande.

E, especificamente quanto ao roteiro, não deixa de ser curiosa a forma como, após uma primeira metade tão bem construída e tensa, o longa se reverta ao “modo Marvel” na segunda metade. A situação complexa na qual o Capitão se envolve é transformada em mais um confronto “bem contra o mal”, e até mesmo vícios dos quadrinhos aparecem na produção: Personagens que não morrem e ameaças que nunca realmente se resolvem, deixando a verdadeira conclusão da história para a “próxima edição”, diminuem a experiência.

Definitivamente não vivemos mais no contexto que possibilitou o surgimento do Capitão América. Para a situação retratada no filme não deveria haver respostas fáceis, afinal o mal acaba se infiltrando no que parecia ser o bem, e hoje em dia esses conceitos estão muito próximos. Mas a proposta não é a de examinar essas questões a fundo. A proposta é a de divertir com uma história de super-heróis, e podemos confiar que eles estarão sempre certos. Capitão América 2 é divertido e o melhor lançamento de um herói “solo” do Marvel Studios desde o primeiro Homem de Ferro, mas a ideia do estúdio de fazer um filme com toques de Os Três Dias do Condor é apenas de brincadeira. No fim das contas, segundo esses filmes, ainda vivemos na época dos mocinhos e bandidos.

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