Antes de mais nada, eu preciso dizer que não leio HQ’s. Gosto de filmes de super-heróis e aprecio os mesmos quando eles possuem qualidades cinematográficas, e não por fazerem referências ou serem fiéis à história original. Neste sentido, como cinéfilo, fico feliz em dizer que o novo capítulo da jornada do Capitão América, ou melhor, do próprio universo da Marvel, atende às expectativas e se revela um ótimo filme, independentemente se você já teve nas mãos revistas em quadrinhos ou não.

Em Guerra Civil, como o nome sugere, vemos os super-heróis da Marvel entrarem em conflito entre si, um conceito que por si só já atrai atenção. Afinal de contas, desde que apareceram juntos em Os Vingadores (2012), a convivência entre eles nunca foi inteiramente pacífica, com disputas de ego e personalidades distintas aflorando a cada minuto e que apenas eram suprimidas pelo surgimento de uma ameaça maior que os obrigava a trabalharem juntos.

Quando o filme inicia, o mundo está dividido entre aqueles que defendem os Vingadores e uma crescente parcela da população que os vêem apenas como vigilantes que, desde a extinção da SHIELD, atuam sem supervisão e não se importam com as mortes de civis causadas como efeito colateral das suas batalhas. Eis então que a ONU resolve propor o Tratado de Sokovia, segundo o qual os heróis responderiam a partir de agora a um painel das Nações Unidas que decidiria onde, quando e como eles poderiam agir. Mas nem todos os Vingadores possuem a mesma opinião sobre o tal tratado, o que leva a uma grande rixa dentro do grupo.

Pela própria sinopse dá para perceber que o longa está interessado em discutir temas interessantes, como a responsabilidade que temos sobre os efeitos colaterais das nossas ações, independentemente se estes foram intencionais ou não. Ao levar este questionamento para o mundo dos super-heróis, o filme abre uma nova perspectiva, já que o fato de eles não agirem para conter grandes catástrofes pode torná-los cúmplices por omissão. Por outro lado, como um personagem coloca muito bem em determinado momento do filme, o simples fato de heróis com super-poderes existirem é um incentivo para que indivíduos mal-intencionados tentem desafiar este poder, gerando uma escala de destruição que explica a necessidade de se ter alguma forma de controle sobre a forma como eles agem.

Não vou dar maiores detalhes sobre a trama, mas posso dizer que um dos grandes trunfos de Capitão América: Guerra Civil é justamente a forma como ele define muito bem as motivações dos seus personagens. É possível entender perfeitamente o que leva cada um dos heróis a ficar contra ou a favor do tratado, e ainda que algumas posições nos surpreendam no início, elas fazem sentido dentro do contexto apresentado. Ver Tony Stark, o Homem-de-Ferro, assumir uma defesa ferrenha em relação ao controle das atividades dos super-heróis é algo que a princípio causa espanto pelo histórico irreverente e até mesmo irresponsável do empresário. Porém, é tocante perceber como a sua posição surge não apenas de um sentimento de culpa pelas mortes de civis inocentes, mas também pela própria forma desleixada com que ele sempre tratou e foi visto pelos seus pais (falecidos em um acidente quando ele ainda estava na universidade). Esta, portanto, seria uma forma de se redimir com uma postura mais madura.

Robert Downey Jr., aliás, é a grande revelação do filme. Aqui ele não apenas exibe novamente seu imenso carisma como também tem, pela primeira vez na série, a chance de nos lembrar de seus grandes dotes dramáticos. O ator emociona ao deixar claro o sofrimento que seu personagem experimenta ao ver os Vingadores brigando uns com os outros. Mas o filme tem outros destaques também.

Acho que não é spoiler dizer que dois novos super-heróis aparecem no filme, já que os trailers revelavam isso: Homem-Aranha e Pantera Negra. Mas não se preocupem, não direi como eles surgem. Basta dizer que ambos são apresentados de forma bastante orgânica e se encaixam muito bem na história. Tom Holland como o Homem-Aranha é ótimo ao demonstrar o deslumbramento que um garoto de 17 anos com certeza sentiria ao estar no meio daquele grupo de seres fantásticos. Já Chadwick Boseman traz imponência ao Pantera Negra e suas habilidades são essenciais numa espetacular sequência de ação que se inicia no topo de um prédio e segue pelos túneis de um viaduto.

Por falar em ação, a dupla de diretores Anthony e Joe Russo, responsáveis por Capitão América: Soldado Invernal (2014), provam aqui mais uma vez seu talento e voltam a criar sequências criativas, ágeis e muito bem filmadas, sempre nos permitindo acompanhar o que está acontecendo em cena. Eles também encontram um bom equilíbrio entre a ação e o humor durante a maior parte da projeção, cometendo seu único deslize neste sentido justamente com a apresentação do Homem-Aranha durante a épica batalha no aeroporto, já que o excesso de piadinhas do personagem fica perigosamente no limite do caricato. Por outro lado, o Homem-Formiga, outro personagem bastante calcado no humor, é muito melhor utilizado nessa mesma sequência.

Por fim, vale ressaltar a satisfação de vermos três personagens femininas assumirem o controle das cenas de ação e mostrarem que não precisam de um homem para salvá-las. Pelo contrário, são elas que acabam muitas vezes salvando ou pelo menos ajudando imensamente os homens. Viúva Negra (Scarlett Johansson), Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) e até mesmo a ex-agente da SHIELD Sharon Carter (Emily VanCamp) provam que as meninas podem e devem sonhar elas próprias em serem super-heróinas. Inclusive, parte da Feiticeira Escarlate um dos mais momentos mais singelos do filme: quando questionada sobre o que deve fazer para não causar medo nas pessoas, ela responde com convicção que não pode fazer nada sobre o medo dos outros, ela pode apenas controlar o seu próprio medo. Um belo exemplo de independência e empoderamento femininos, já que até hoje as mulheres ainda sofrem represálias quando demonstram ser “fortes demais”.

Capitão América: Guerra Civil possui sua parcela de falhas, como um ritmo irregular ao longo das suas duas horas e meia de projeção e alguns furos em relação aos planos do vilão do filme (nunca fica claro como ele conseguiu tantas informações). E ainda que eu prefira o clima conspiratório e o roteiro mais enxuto de Capitão América: Soldado Invernal, não há como negar que este terceiro capítulo desenvolve muito bem o personagem, trazendo novas camadas de complexidade para a sua jornada.

Além disso, é admirável e até mesmo impressionante constatar como os esforços da Marvel para criar o seu universo cinematográfico produziram resultados sólidos. Desde Homem-de-Ferro (2008), todos os filmes do estúdio compartilham detalhes e situações entre si que ajudam na nossa identificação com os personagens e que trazem uma bagagem emocional que confere peso à história que estamos vendo na tela. A Marvel pode até pecar por nunca encerrar adequadamente os seus filmes, sempre terminando em verdadeiros cliffhangers, mas a verdade é que saímos do cinema satisfeitos e loucos para conferir o próximo capítulo deste universo paralelo.