O terceiro longa-metragem amazonense nos anos 2000 está prestes a se concretizar: “Antes o Tempo Não Acabava” está no início da fase de pós-produção após as filmagens realizadas durante o mês de novembro. Sérgio Andrade volta à direção depois do sucesso alcançado por “A Floresta de Jonathas” (filme foi exibido em 32 festivais de cinema ao redor do mundo), tendo como destaque o jovem ator indígena Anderson Tikuna.

O diretor concede em entrevista exclusiva para o Cine Set mais detalhes sobre “Antes o Tempo Não Acabava”, as perspectivas para o projeto, a evolução na carreira e o cenário para o audiovisual no Amazonas.

Cine Set – Qual foi a parte mais gratificante até agora de “Antes o Tempo Não Acabava”?

Sérgio Andrade – Revelar o mundo do indígena urbano e criar ali uma ficção que aflora para a superfície, com riqueza cultural e lúdica. Trabalhar com idiomas diferentes e levar toda uma equipe e um elenco a transitar nesse universo, com prazer. Espero que público e crítica sintam o mesmo.

Cine Set – Qual a história do filme? Em que locais e quando foi gravado?

Sérgio Andrade –  Vou tentar sair da sinopse padrão, essa que temos mandado pra editais e imprensa: Anderson é um indígena urbano de 20 anos de idade, mas antes de tudo é um jovem cheio de questionamentos e descobrindo a si mesmo e o mundo; a comunidade onde vive, na periferia de Manaus, abriga também parentes de outras etnias; Anderson vive num ambiente com idiomas diferentes, mas onde todos estão imersos na mesma condição de afirmação do indígena urbano. Por discordar de certas decisões do líderes de sua comunidade, Anderson resolve ir morar sozinho no Centro de Manaus, é também o início de suas férias da fábrica onde trabalha, no Distrito Industrial.

As locações foram um sítio na área do Puraquequara, a pequena comunidade Tikuna na Zona Leste de Manaus, diversos locais no Centro da Cidade, Educandos, o Rio Negro e fábrica Midea Carrier no Distrito Industrial.

Cine Set – O filme está em que fase no processo de produção? Há previsão de lançamento?

Sérgio Andrade – O filme está em uma fase de pré-montagem; estamos realizando decupagens de todo o material gravado. O que posso dizer é que não temos uma previsão de data de lançamento, pois depende de várias questões, no entanto queremos deixar  pronto este ano, montado e finalizado. Para isso, será necessário fazer uma montagem tranquila, ao sabor de nossa criatividade e sem exigências limitadoras de tempo.

Cine Set – Como você sente sua evolução como diretor após o período do “A Floresta de Jonathas” e agora com as gravações de “Antes o Tempo Não Acabava”?

Sérgio Andrade – Meu trabalho como diretor começa como roteirista. Como escrevo os roteiros – mesmo tendo colaboradores depois – tento naquele momento reparar meus erros, ou até errar à vontade, apostando em algo livre e sem paradigmas. Imagino sequências e suas potencialidades no momento em que escrevo. A evolução está em apostar ainda mais cegamente no delírio autoral ou propor uma radicalização ou uma sutileza que ainda não foram experimentadas. “A Floresta de Jonathas” trabalhou muito no terreno do acerto, em seguir um fio condutor equilibrado mesmo querendo mostrar uma linguagem autoral, era o primeiro longa, que ganhara um edital cobiçado, precisava ter riscos, mas tinha que pairar sobre as expectativas. “Antes o Tempo Não Acabava” aposta muito na vontade de fazer um filme mais livre ainda. Aposta muito nos desdobramentos do roteiro, se alimentou muito da realidade, do documental e do inesperado. Afora isso, gravar um filme é um enorme aprendizado, pois, como arte coletiva, meus colegas de equipe sempre me trazem ideias e conceitos novos, e é aí que floresce o filme, de verdade.

antes o tempo não acabava anderson tikuna sérgio andradeCine Set – Quanto das suas inquietações sobre Manaus, Amazonas e Amazônia estarão presentes no novo filme? Qual o peso das tuas experiências e impressões pessoais na construção do filme?

Sérgio Andrade – Manaus é para mim um grande palco para a ficção. A riqueza racial e cultural da cidade é sempre uma ebulição. Onde indígenas convivem com estrangeiros – e são estrangeiros também. Onde descendentes de fortes colônias árabes, portuguesas (como eu) e nordestinas deixam traços fortes numa multiplicidade de gestos e linguagens. Onde a floresta limita a cidade e já quase não consegue contê-la. Mas o sonho é que a floresta invada a cidade e faça romper samaumeiras do asfalto quente. Essa zona intermediária, entre cidade e floresta, é um lugar mágico, minha maior fonte de inspiração. Está em toda a minha filmografia, e insisto nisso. “Antes o Tempo Não Acabava” transita de um lado a outro nesse ambiente transitório.

Cine Set – Você fez o primeiro longa-metragem lançado em âmbito nacional por uma equipe local no Amazonas em décadas. Agora, está no segundo. Como você avalia os avanços (ou não) da produção local nesse período? Sente que falta pouco para mais longas surgirem no Estado ou estamos longe disso? Por quê?

Sérgio Andrade – Uma pergunta complexa, pois depende de vários fatores. Hoje em dia faz-se bom cinema, cinema de qualidade, com cabeças atentas ao próprio Cinema e seus avanços estéticos e conceituais e também a uma compreensão de mundo subjacente, que não essa vigente, estereotipada que nos é trazida pelos impérios da mídia, principalmente quando lidamos com Amazônia. Então, para isso, é preciso haver instrução, formação, massa crítica, e digamos que o Amazonas ainda está incipiente nisso. Outro ponto é o dinheiro, o recurso, Cinema custa um bom dinheiro para ter bons profissionais e equipamentos, precisa de apoio, de incentivo e ainda não vejo, no poder público local, uma política firme e continuada que produza bons editais e concursos (cadê uma lei Municipal/Estadual de Cultura??). Nunca entendem que cinema de qualidade eterniza suas marcas e o registro sonoro e imagético de seu povo e sua terra.

Por outro lado, temos ótimos profissionais. Concluo isso depois de fazer dois longas e empregar mão de obra local em maior parte da equipe, e, se depender disso, falta pouquíssimo para mais longas bons surgirem!

antes o tempo não acabava bastidores sérgio andrade

 *matéria corrigida às 0h28 de terça-feira (27). No texto original, estava escrito que “A Floresta de Jonathas” era o primeiro longa-metragem produzido no Amazonas com equipe local nos anos 2000. “Sete Palmos de Terra e um Caixão” (2006) foi, de fato, a produção pioneira neste formato no estado neste século.