Ao contrário da maioria das pessoas, eu fiquei – positivamente – intrigada quando ouvi as primeiras notícias confirmadas sobre “Cinquenta Tons de Cinza”. A diretora anunciada, Sam Taylor-Johnson, estreou em longas com “O Garoto de Liverpool”, filme bem simpático sobre a adolescência de John Lennon. Na época em que assisti, quis logo saber qual seria o próximo passo da britânica. Com “Cinquenta Tons de Cinza” no horizonte, imaginei que uma mulher poderia dar a essa filme a sensibilidade e o tato que ele precisava. Mesmo o resultado não sendo tão desastroso quanto as previsões indicavam, a verdade é que a produção não conseguiu cativar.

Baseada no best-seller de E. L. James – que, por sua vez, é inspirado em uma fan fiction da saga Crepúsculo -, “Cinquenta Tons de Cinza” traz o clássico casal de opostos que se atraem. Desta vez, temos o protagonista  bonito e bem sucedido de Jamie Dornan e a mocinha atrapalhada e sem tanta vaidade de Dakota Johnson. Representando o velho clichê do homem rico, solitário e de passado misterioso, Christian Grey logo se interessa por Anastasia Steele. Essa poderia ser uma sinopse de uma comédia romântica qualquer – no entanto, o nosso herói tem gostos… peculiares, como ele mesmo diz. Dominador, conquista Anastasia e mostra para ela um mundo de helicópteros, mansões e um quarto vermelho cheio de apetrechos que fariam o livro “Sex”, de Madonna, parecer a Bíblia.

A verdade é que o problema de “Cinquenta Tons de Cinza” está em seu roteiro. Pobres, diálogos como “Por que você está tentando me mudar?” e a resposta “Não, você é que está me mudando” parecem mais sobras do roteiro do episódio 2 de “Star Wars”. Isso sem falar nas situações absurdas que a história propõe (se esse homem é tão importante e famoso, por que a Vanity Fair ou alguma revista do tipo nunca se interessou em fazer um perfil dele?) e os buracos da narrativa que podem ou não ser solucionados em um próximo filme (estou falando de você, Sra. Robinson).

Enquanto isso, Taylor-Johnson conduz o filme como pode e, junto ao diretor de fotografia Seamus McGarvey (do ótimo “Desejo e Reparação”), nos traz momentos interessantes, como a reunião onde Anastasia e Christian discutem a (ABSURDA) lista de exigências que ele propôs para tê-la. Quase às escuras e privilegiando as reações de seus personagens, a diretora acerta ao mostrar a tensão sexual entre os dois personagens e a química entre eles – fato acentuado pelas risadinhas de Christian Grey e a resolução da cena. A diretora merece crédito também pelas cenas de sexo. A primeira, em especial, é bem bonita. Não há necessidade de explorar e fazer de “Cinquenta Tons de Cinza” um “Último Tango em Paris” ou um “9 Semanas e Meia de Amor”. São propostas diferentes. Neste, Taylor-Johnson mostra uma jovem descobrindo a sua sexualidade e dividida entre o mundo que Christian a mostra. Aliás, bem legal a referência que a diretora faz a “9 Semanas e Meia” em uma das cenas de sexo – sim, ela recria exatamente esse momento que você está pensando.

Enfim, os atores. Se Dakota Johnson tem em seu DNA o gene da atuação ‘mais ou menos’ (ela é neta de Tippi Hedren e filha de Melanie Griffth), nesse filme ela não mostrou ou dom – ou melhor, a falta dele – da família. A atriz carrega o filme, com a dose certa de vulnerabilidade – posso citar vários exemplos, mas gostei de como retratou o dilema de Anastasia ‘fico com esse homem maluco ou fujo para as colinas’. Com o personagem mais complexo, Jamie Dornan fica aquém do esperado. Fisicamente, ele é tudo o que as fan girls esperariam ver do idealizado Mr. Grey. O problema é que quando o ator abre a boca, não há empatia. Não acreditamos em uma palavra que ele diz. Ele e Johnson têm química, é verdade. Mas, infelizmente, Dornan falha quando tenta nos mostrar o porquê seu personagem é tão atormentado.

Como mulher, posso dizer que “Cinquenta Tons de Cinza” incomodou, sim. Não pelas cenas de sexo consentido, mas por não nos levar ao fundo da mente desse homem, cujo passado não esclarecido e personalidade podem nos remeter à de um serial killer (lembrei de Patrick Bateman do filme “Psicopata Americano” o tempo todo enquanto assistia; será que uma versão ‘Cinquenta Shades of Bateman’ faria o mesmo sucesso?). Por que para ele é ok propor aquele contrato absurdo? Por que o ciúme doentio? Por que Anastasia se submete a sofrer as consequências caso não cumpra o combinado? Aliás, por que Anastasia não questiona ter que chamá-lo de Mr. Grey? Por que nenhuma das 15 mulheres teve coragem de ir à público? Sei que há doido para tudo, mas, sinceramente, não acredito que não tenha havido pelo menos UMA contra Mr. Grey.

São questionamentos amargos quando se pensa que esse filme foi dirigido por uma mulher e, pior, é baseado em um livro escrito por uma mulher. Nem sempre o cinema precisa mostrar almas imaculadas – olha a Amy Dunne aí, para citar um caso mais recente -, mas é preciso cuidado para desenvolver personagens e histórias que caibam em cada contexto.