Eu entendi o que Caetano Gotardo quis manifestar em seu novo filme, “Seus Ossos e Seus Olhos”, filme gravado e lançado em festivais antes da Pandemia, mas só agora chega ao circuito comercial. O sucessor de “Todos os Mortos” (2020), que chegou a concorrer ao Urso de Ouro na Competição Oficial do Festival de Berlim, é uma obra performática que narra as inquietudes do corpo, relações líquidas e memória.

Mas a memória pode ser subjetiva. Eis aí o filme dentro do filme quando Gotardo nos prega uma peça em reiniciar o filme que soa como uma semi-biografia. João (Gotardo) é um cineasta que se divide entre sua melhor amiga, Irene (Malu Galli), o namorado, Álvaro (Vinícius Meloni) e um sexo casual com Matias (Carlos Escher). Todos estes personagens carregam em seus corpos o sufoco dos dias, dos anos. Nesse sentido, a memória tem um papel fundamental em modelar esses corpos nas suas angustias existenciais. O que o corpo pede?

E nessa dança da vida em que o corpo performa meios de transitar por entre a cidade e se relacionar com os demais, ele se manifesta ora errático, ora calmo, inconstante, poético, sobretudo, um corpo em transe e em trânsito. E percebemos isso na cena em que João tenta se ajustar, se encaixar, no sofá da amiga Irene. Ele não se sente confortável, procura de todas as formas uma posição que lhe conforte. Deita no chão, como uma coreografia da vida em ajustes sociais performáticos que temos que manter para continuar sobrevivendo e manter a saúde mental menos danificada. Então performamos.

O curioso aqui é a onipresença da cor azul. Há uma explicação interessante por intermédio de Irene, mas vamos além. O azul, para gente, representa tranquilidade. Para os americanos, é sinônimo de tristeza. Já para os franceses, representa liberdade. E, se pararmos para analisar, todos esses significados estão expressos no filme. Há uma falsa ideia de calmaria em uma rotina trivial, mas também há muita melancolia e desajustes do passado que sempre estão à tona (a memória) e a liberdade? Fica na questão do uso do corpo.

Contudo, “Seus Ossos e Seus Olhos” peca pelo alto grau de uma complexidade da teoria que não se encaixa na prática. É interessante essa brincadeira que Gotardo faz em reiniciar o filme, pensando nas subjetividades e perspectivas de uma mesma história, de uma mesma memória, dos encontros da vida. Porém, fica a sensação que algo faltando. Mas vale a experiência.