Durante a cerimônia de premiação do Olhar do Norte 2020, falei sobre como Lucas Martins é um dos mais promissores realizadores audiovisuais locais ainda à espera de um grande roteiro. Seus dois primeiros curtas-metragens – “Barulhos” e “O Estranho Sem Rosto” – são ótimas surpresas do atual cinema amazonense ao driblarem a falta de recursos financeiros graças uma decupagem muito bem apurada tirando muito de qualquer traço caseiro. O calcanhar de Aquiles ficava por conta de histórias até capazes de prender o público e desenvolver bem seus personagens, mas, com desfechos, no mínimo, anticlimáticos. 

“À Beira do Gatilho” poderia ser a mudança de patamar, mas, apenas amplifica esta sensação. Selecionado para o Cinefantasy 2021, este é o primeiro curta de Lucas com orçamento mais robusto, graças ao edital da Prefeitura de Manaus através dos recursos da Lei Aldir Blanc. O salto na qualidade da imagem, uma direção de fotografia bem mais elaborada, os cuidados nos figurinos e uma trilha sonora própria feita por Pablo Araújo, vocal e guitarrista da Luneta Mágica, comprovam a excelência da técnica. Já o roteiro segue estagnado e, por vezes, em regressão. 

Cinéfilo assumido (basta ver a referência a John T. Chance nos créditos finais), Lucas Martins busca inspiração nos policiais amorais norte-americanos dos anos 1970 e do cinema marginal brasileiro. O Opala vermelho circulando por Manaus ao lado dos modernos carros atuais dá o cartão de visitas para o clima retrô da história do detetive (Adriano Holmes) em busca de um sujeito com o mesmo problema dele: dívidas com o jogo. Nesta viagem pelas 24 horas de seu protagonista, “À Beira do Gatilho” acompanha o anti-herói em uma trajetória sem mocinhos. 

TRAJETÓRIA NATURAL DE ALTOS E BAIXOS 

Longe da saída fácil da câmera na mão, a direção de fotografia de Reginaldo Tyson se mostra elegante ao optar pela movimentação de câmera mais sutil marcada por planos abertos, contribuindo para a tentativa de trazer Manaus como uma personagem de “À Beira do Gatilho” – a ideia somente não funciona melhor pelo fato dos locais escolhidos serem muito ‘limpinhos’ para uma produção que busca abordar o underground da cidade, exceção feita à ótima sequência final. Neste sentido, a trilha obtém resultados melhores – aliás, Pablo Araújo se mostra cada vez melhor na composição para cinema vide o também ótimo trabalho feito em “Enterrado no Quintal”. 

Apesar de claramente ser um filme em que a criação de atmosfera está em sua essência, o roteiro poderia ser bem melhor. Após criar o inseguro e paranoico protagonista de “O Estranho Sem Rosto”, Lucas dá passos atrás com o detetive de “À Beira do Gatilho”. Sobram tiradas ‘espertas’ ou diálogos em que pouco se avança; tudo soa vazio e sem emoção pela falta de conexão com aquelas pessoas que vemos na tela. Não à toa o impacto do desfecho acaba diluído por melhor que sejam os acertos técnicos. Por fim, a montagem também peca por não dar mais ritmo nas sequências de maior tensão. 

A evolução de Lucas Martins recorda trajetórias de colegas do audiovisual amazonense como Ricardo Manjaro em seu processo meticuloso de decupagem e alta qualidade técnica (“A Última no Tambor”, aliás, pode ser considerado um primo mais velho de “À Beira do Gatilho”) e da turma do Planos em Sequência nas experimentações dentro de gêneros populares (terror, policial, suspense) e com uma pegada pop. São caminhos de altos e baixos marcados por acertos e erros naturais em busca de uma linguagem e, no caso de Lucas, de um roteiro perfeito (ou próximo disso).