Revoada, curta de Rafael Ramos (“Manaus Hot City”) sobre um dos piores períodos da pandemia da covid-19 na região Tríplice Fronteira do Amazonas, se coloca sem muitas cerimônias naquele lugar dúbio entre ser cinema e ser um registro institucional de instituições como a Fiocruz, de onde a figura que encerra o curta, o virologista Felipe Naveca, trabalhou em expedições e pesquisas sobre o alastramento do vírus. Não deixa de ter sua importância enquanto registro audiovisual de uma parte tão recente e não totalmente superada da nossa história, mas não há grande alcance em Revoada, seja dramaticamente, seja na dimensão da própria pandemia. 

O que chama a atenção, realmente, são as provocações visuais que Rafael Ramos elabora em suas imagens, como quando filma o slogan de uma academia (que no primeiro relaxamento das medidas restritivas, foi considerada uma atividade essencial pelo então presidente da república) e, em seguida, mostra uma frase religiosa em frente a uma igreja, alfinetando diretamente os discursos negacionistas e oportunistas que tomaram conta do país enquanto a ciência tentava encontrar uma vacina. 

Grande parte do que há de mais interessante em “Revoada” está em como Rafael amplia esse olhar provocador filmando uma cidadezinha periférica de Alto Solimões onde a população, mesmo após as testagens onde vários chegam a positivar para o vírus, continuam trabalhando, continuam de portas abertas, sem máscaras no rosto, e ainda assim acreditando nas ditas fake news que invalidavam a funcionalidade das vacinas. Neste ponto, Rafael consegue criar uma interessante dimensão do alcance manipulativo governamental. 

MUDANÇA BRUSCA

Mas fica por aí. Há uma estranha mudança de tom em dado momento, quando os últimos minutos viram abruptamente para o virologista Felipe Naveca, e não tenho aqui nenhuma restrição a visão mais intimista sobre a própria tragédia pessoal de Felipe, que perdeu o pai para o vírus e é um dos responsáveis pelas pesquisas sobre a vacina, mas a curva feita por “Revoada” para encerrar com esta abordagem mais fechada não é das mais orgânicas, e deixa a impressão de que havia muito mais a dizer em Revoada, só não havia tempo – ou talvez só a própria edição não soube lidar com essa reponsabilidade. 

No fim de tudo, esse intimismo parece muito mais empenhado em nos comover pelo trabalho empenhado – isso ninguém nega – da Fiocruz através de um de seus rostos, do que dar continuidade ao olhar mais amplo que Rafael ensaiou durante a maior parte da projeção. Têm seu valor, mas fica pelo meio do caminho.