Um tema comum a muitas narrativas de ficção-científica é a do personagem que viaja pelo universo, por grandes distâncias, e quanto mais longe vai, mais se aproxima de si mesmo, descobre algo a respeito de si mesmo. É um paradoxo: quanto mais o Homem mergulha nos mistérios do universo, mais ele se enxerga, o que poderia ser, e o que ele levou da Terra consigo. Ad Astra: Rumo às Estrelas, do diretor James Gray, é mais um exemplar do gênero que explora esse tema, com rigor, beleza e grandiosidade. É uma aventura, conduzida por um diretor que compreende mitos e velhos temas, grande e pequena ao mesmo tempo.
No filme, o astronauta Roy McBride – interpretado pelo astro Brad Pitt – é convocado para uma missão com o objetivo de salvar a Terra. Estranhas emissões de anti-matéria dentro do sistema solar estão afetando e destruindo as fontes de energia na Terra, e elas têm alguma relação com o pai de Roy, Clifford (Tommy Lee Jones), um lendário astronauta que tinha sido dado como morto numa missão espacial anos antes. Com paradas na Lua e em Marte, o destino final de Roy é Netuno, não sem antes enfrentar vários obstáculos no percurso. O espaço aqui parece uma terra sem lei, não muito distante de um Star Wars…
Gray tem completa noção do tipo de história que está contando em Ad Astra. É um filme de mito, de jornada do herói, e nesse sentido demonstra mais um passo na evolução de sua visão. O roteirista/diretor que iniciou a carreira filmando no seu bairro de Nova York dramas policiais centrados em relações familiares, como Caminho Sem Volta (2000) e Os Donos da Noite (2007), deu uma guinada e começou a trabalhar sua sensibilidade numa escala cada vez maior. Em Era Uma Vez em Nova York (2013), a aventura era de uma mulher chegando a um país novo; em Z: A Cidade Perdida (2016), a jornada era para desbravar a imensidão da floresta amazônica em busca de uma região mítica e lendária. Em Ad Astra, a jornada não poderia ser maior, é pelo sistema solar… Mas ainda assim, de novo, une o épico ao pessoal, a grande tela ao pequeno conflito, a viagem espacial a uma relação entre pai e filho.
ENTRE O SUTIL E O DIDÁTICO
A parte épica do filme é, claro, trazida à vida de forma brilhante pelo design de produção de Kevin Thompson e pela encenação de Gray. Desde os primeiros momentos, com planos como o da Terra preenchendo o quadro quando Pitt desce as escadas da antena orbital, ou aquele no qual a esposa dele, Eve (Liv Tyler), é “apagada” pelo desfoque da câmera, fica claro que se está diante de um filme de visual inventivo e que compreende a dimensão épica da sua aventura. Há outros momentos incríveis também: uma perseguição na Lua une perfeitamente a computação gráfica à filmagem em estúdio, e a presença de megacorporações na base lunar faz um belo e sutil comentário visual sobre a gana capitalista que se estende pelo sistema solar graças à ação humana.
Esse mesmo momento serve para introduzir a parte pessoal do filme… E embora ela funcione, aqui se nota o principal problema da construção dramática do filme: um excesso de narração em voice-over do protagonista, que muitas vezes parece explicar coisas que já entendemos dentro do filme. Na mesma cena em que vemos Roy andando pela base lunar diante de estandes de fast-food, Pitt comenta no áudio sobre a própria crítica social que o filme já estava fazendo de modo visual. É problemática também a maneira como o roteiro coloca Pitt para explicar várias vezes no voice-over o estado emocional do protagonista, quando uma olhada no ator já transmite a ideia de forma eficaz. Percebe-se uma busca por um tom meio “filme do Terrence Malick” nessa narração, mas ao invés de “transcendental” e profunda, muitas vezes tais monólogos só soam redundantes mesmo. E depois dizem que o Christopher Nolan é didático…
Felizmente, Brad Pitt – que está presente em todas as cenas – consegue superar esses deslizes com sua atuação sutil, delicada e precisamente construída. É mais um grande trabalho do ator, e seu carisma de astro também faz com que nos importemos com um sujeito frio e emocionalmente distante, cujos batimentos cardíacos, um oficial da agência espacial nos diz, não passam de 80 nem quando ele está diante da morte iminente. Ele é o filme, e graças ao ator a jornada do protagonista é plenamente realizada ao final. Num filme cheio de estrelas, ele é a maior.
Apesar de seu tom dramático, existe uma ligeira pitada pulp, de “filme B” em Ad Astra: afinal, é um filme com piratas na Lua, em certa altura vemos uma briga de facas em gravidade zero, em outra um ataque animalesco. De novo, presenciamos James Gray se apropriar de uma estrutura de gênero para, na verdade, falar dos temas que lhe são caros pessoalmente: A luta de alguém para definir-se a si mesmo, o amor/ódio/mistura dos dois que podem existir dentro de famílias, o uso do mito grandioso e antigo para falar de algo menor e universal. Trata-se de um filme que combina piratas lunares, fim do mundo e crise existencial. Ele até tem algumas falhas, mas parece que estava mirando demais para as estrelas para notá-las. Realmente, a noção de que quando você explora o espaço descobre algo sobre si mesmo, vale também para cineastas.
Interessante quase reflexão deste longa sobre variada temática existencial de nós da Terra, ainda sob domínio de guerras, conquistas e destruições por aqui, e isto protocolando uma jornada quase psicótica do ator principal, Brad, até muitíssimo longe a se ver em seu próprio progenitor! Faz-nos pensar que o importante é o estar sempre aqui e agora como der, pois o que sobrevier apenas ocorrerá de alguma forma, queiramos ou não – mesmo até nos digladiando entre nós mesmos em nossa casinha azulada na imensidão sideral! Como dizia a personagem de Contacto, de Sagan, para que serviria então tanto espaço se não houvesse mais gente?