O medo da morte, a ficção e paranoia substituindo a realidade, o vazio da vida moderna, a performance acima do discurso, o academicismo fechado em si mesmo e suas teorias… Para quem vinha de dramas familiares delicados e intimistas com leves toques de humor como “A Lula e a Baleia”, “Frances Ha” e “História de um Casamento”, Noah Baumbach encontra em “Ruído Branco” sua obra mais ambiciosa. 

E não era para menos, afinal, o livro homônimo de Don DeLillo lançado nos anos 1980 se tornou um clássico instantâneo e atemporal da literatura norte-americano. Diante de tal desafio, Baumbach caminha entre acertos e erros, momentos inspirados e outros tediosos, mas, nunca brilhante como poderia ser. 

Dividido em três partes, “Ruído Branco” começa com a rotina de uma família de classe média alta dos EUA liderada por um professor universitário especialista em Adolf Hitler (Adam Driver, excelente) e a esposa (Greta Gerwig). A segunda etapa traz o acontecimento transformador: um acidente químico ameaça a cidade onde vivem, obrigando todos a sair desesperadamente de casa. A reta final promove a solução de um mistério que assombra os protagonistas. 

ENTRE A FIDELIDADE E A LIBERDADE 

Adaptar obras clássicas e até ‘infilmáveis’ como o livro de Don DeLillo sempre foi classificado se mostra uma encruzilhada entre manter a fidelidade ao material original ou se permitir liberdades que levem o cineasta a lançar um novo olhar sobre o material original – o caso Stanley Kubrick versus Stephen King em “O Iluminado” é o mais célebre disso. Se não chega a fazer uma versão literal, Noah Baumbach explora os diversos caminhos apontados sem maior coesão. 

Críticas pertinentes e hilárias sobram como o pedantismo dos círculos intelectuais sempre preocupados em se vangloriar, a performance valendo mais do que o próprio discurso e as conversas pretensamente filosóficas no supermercado – aliás, palco da ótima sequência pós-crédito ao som de “New Body Rhumba”, do LCD Soundsystem. Ainda assim, Baumbach não consegue, de fato, dar liga em tudo o que “Ruído Branco” traz para além do caos, soando, muitas vezes, que estas ironias ficam isoladas e sem serem tão incisivas como poderiam se formassem um conjunto mais satisfatório. Piora ainda a verborragia excessiva como sendo necessário traduzir para o público o que acabamos de ver – precisava o protagonista falar o que representava o momento de terror? 

Falando nisso, nota-se um diretor jogando com os mais diversos gêneros durante o filme – e se divertindo com isso. A perseguição de carro em nada deve aos longas de ação, o musical com a coreografia é uma delícia, a comédia caricatural atinge o auge no duelo teórico Elvis x Hitler (mal explorado de modo geral) e o suspense na revelação sobre o remédio da esposa mostra toda esta bem-vinda versatilidade.  

Se a marca do livro de Don Lellio era trazer a energia caótica de um mundo egóico cercado pelas incertezas da Guerra Fria, a versão de Noah Baumbach para “Ruído Branco”, de fato, consegue acertar o tom. Fica longe, porém, de captar a potência completa de uma obra tão cheia de nuances e acidez para entender além daqueles personagens.