“Benzedeira”, curta documentário de Pedro Olaia e San Marcelo, é um bom exemplo de como uma narrativa aparentemente simples ganha outra dimensão no audiovisual ao se apropriar de recursos da linguagem para destacar o que há de melhor no tema abordado. 

Aqui, a direção de fotografia do co-diretor San Marcelo confere grande potência às imagens. Longe de estas se tornarem uma distração ao espectador em relação ao que o filme trata, o efeito é de intensificação da perspectiva narrada e vivida pela protagonista, Manoel Amorim, conhecido como Maria do Bairro, benzedeira numa ilha na comunidade do Tamatateua, interior do município de Bragança, e que se utiliza de ervas e ritos sincréticos para trazer a cura física e espiritual àqueles que a procuram. 

Beleza que diz algo 

A beleza das imagens do curta acabam, então, por se aliar à visão de mundo de Maria do Bairro. Para ela, planos de existência diversos convergem e unem realidade objetiva, entidades sobrenaturais e natureza, sendo a preservação desta última diretamente ligada à manutenção da qualidade de vida dos homens. Não por acaso, ela conta como largou um modo de vida convencional e encontrou a verdadeira liberdade na contemplação, na fé, em seus modos simples de viver e no respeito aos ciclos da natureza. 

Um claro momento de união entre a estética do documentário e a luminosidade de sua personagem central se dá na cena em que vemos a benzedeira em ação. Após preparar um banho com ervas de cores belíssimas, o recurso simples, mas sempre efetivo, da sobreposição de imagens mostra o momento do banho purificador num homem se servindo da benzedeira e cantoria mágica de Maria do Bairro. 

Embora as imagens atuem como carro-chefe para nos cativarmos pela personagem-título, é importante destacar ainda o cuidadoso trabalho de som em “Benzedeira”. Do voice over às cantorias e som ambiente, o esmero técnico nesse quesito é perceptível e sempre guiado pela sensibilidade do tema, amplificando-a.  

Renúncia libertadora  

A renúncia aos valores capitalistas também é pincelada nas entrelinhas de “Benzedeira” dentro de uma discussão cujo norte central é a crença. Isso se dá porque a cada fala em que, com o uso de um vocabulário todo próprio, Maria destaca como é feliz por tirar suas folhas medicinais das próprias árvores ou como cria seus animais e plantas de forma a também preservar a natureza ao redor, vemos aí uma personagem negra e fluida que se empodera ao viver uma verdade que nada tem a ver com o acúmulo de posses ou em mostrá-las aos demais.  

O que Maria vive e professa vai, então, na contramão do que outros impõem como importante graças à confluência entre fé e sustentabilidade. Nesse sentido, a pessoa pacata, de falar tão idiossincrático, ganha um toque de certa maneira revolucionário, que encontra na beleza da fotografia do curta o seu equivalente cinematográfico. Num mundo que tais feitos são tão destacados, aprender com Maria do Bairro sobre as plantas e sobre suas entidades-guias é uma lufada de ar fresco.  

Esses são alguns dos pontos que fazem do curta-metragem de Pedro Olaia e San Marcelo um interessante registro sobre nossos saberes tradicionais e vivências religiosas em comunhão com a natureza e com o outro. Em tempos de grande desvalorização de ambos, é curta como esse é mais que necessário. 

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