Um dos mecanismos de defesa mais relatados sobre pessoas traumatizadas é o bloqueio mental do que aconteceu a elas. Não irei entrar em detalhes sobre este conceito, porque não tenho conhecimento para tal, mas fato é que essa autoproteção do organismo pode esconder uma vida de dor. No caso da personagem que é foco de “Amando a Martha”, uma história pessoal permeada por abusos sai das sombras para que isso não se torne regra com as suas descendentes.

Co-produção entre Colômbia e Argentina, o documentário parte de um desejo da avó da diretora Daniela López Osório. Vítima de violência doméstica por décadas, ela pede que Daniela conte sua história em um filme.

A diretora costura, então, uma colcha de retalhos por vezes afetuosa, por vezes carregada de autocrítica. Se, por um lado, estar na casa da avó remete a um passado lúdico (um lugar que, na infância, lhe parecia gigantesco como um castelo), por outro, a faz confrontar o peso do silêncio.

Em posse dos diários de Martha, ela adentra uma jornada para decifrar o porquê de todos ao redor da avó serem tão lenientes com um homem abusivo, mas que ainda faz parte do convívio familiar, a ponto de acreditar que ainda está casado com a idosa.

Da quietude e da penumbra da casa da avó, a diretora segue pelos caminhos e pela rotina daquela mulher, enquanto fragmentos de imagens vão ganhando, lentamente, forma. O amor e a admiração àquela matriarca vão de encontro ao que já é hábito: inserir Amando (que ironia este nome!) em uma rotina que não lhe cabe. “É uma história que pertence a cinco pessoas”, alguém diz, referindo-se a Martha, Amando e aos filhos, como se versões importassem em uma relação permeada por violência.

No meio de tudo isso, o ciclo de abuso que une Daniela e Martha tanto quanto os laços familiares é pontuado pelas sutilezas na direção da neta. Um breve momento, em especial, emociona: sentadas no sofá, elas se movimentam, ao contrário de suas fotos na parede.

Em pouco mais de uma hora, a diretora Daniela López Osório passeia por traumas que atravessam gerações de mulheres de uma mesma família. Da sua própria experiência triste em um relacionamento abusivo, ela parte para uma viagem dolorosa a um passado que também é presente, porque não vai deixar de doer, mesmo se tornando cicatriz.