E booom…! E foi assim, com uma grande explosão que o nosso universo foi criado há cerca de 14 bilhões de anos. Bom, pelo menos, é o que dizem os cientistas e seus estudos minuciosos sobre tudo que nos compõe e conhecemos como planeta Terra e além no início do século XX. 

Mas o que os cientistas não poderiam prever, é o big bang que existe no infinito particular de cada sujeito que aqui reside. Ok, existem teorias, estudos, teses e longos discursos acerca dos sentimentos e desse universo que ronda a vida da pessoa, um universo só dele (mesmo que viva em coletividade) e que o faz ser reconhecido enquanto pessoa. Mas, sejamos sinceros, nem todos são reconhecidos. Muitos ainda estão à margem de uma sociedade que negligencia suas vivências e apaga suas histórias. A construção social hegemônica é uma realidade que suprime vidas. E como um big bang que “sacode a poeira”, os marginalizados estão se movimento e construindo suas histórias por si mesmos, negros, indígenas, LGBTQIAP+, mulheres, pessoas gordas, pessoas com deficiência e todos aqueles que não estão em um padrão estabelecido. 

É nesse sentido que Carlos Segundo concebe “Big Bang”, seu novo curta-metragem que vem ganhando cada vez mais espaço nos festivais universo afora. Muito tem se falado na questão da representatividade – palavra da moda, né? -, entretanto, ainda assim, o que vemos nas grandes telas dos cinemas e na TV são majoritariamente histórias protagonizadas por pessoas brancas, cis e sem deficiência. O longo caminho da mudança está acontecendo, de fato (representatividade, lembram?), mas devemos olhar com uma lente de aumento para além desse foco. A inclusão, ainda mais nessa era tecnológica e de redes sociais, se faz tão necessária quanto atrasada. 

ENCONTROS EM NÍVEL DE IGUALDADE 

Chico (Giovanni Venturini, soberbo!), é um homem com nanismo e vive de consertar fornos. No seu infinito particular, é um cara introspectivo, seco, com traumas. Em síntese, um cara sofrido por sua exclusão social. Ele se realiza quando está na função que lhe restou ou que gosta de fazer: consertar fornos, de preferência daqueles enormes em que ele possa entrar e, finalmente, se encaixar em alguma coisa. É dentro desses fornos que ele se reconhece enquanto pessoa, homem, profissional e, principalmente, reconhece a sua capacidade. É nesse breve momento que o seu saber técnico se sobrepõe aos demais que lhe enxergam como um corpo supostamente deficiente e descartável. 

Através de uma adversidade, ele conhece em um hospital uma mulher negra (Aryadne Amâncio) que depois sabemos, é uma doméstica atordoada entre permanecer no hospital para dar suporte a sua filha internada ou voltar para a casa da patroa que exige a sua presença. 

Importante salientar que é com a presença dela que há um nível de igualdade. Todos os outros personagens são vistos pela metade – seus rostos nunca aparecem -, como se fosse a visão de Chico, ou seja, há um nível soberbo de superioridade das pessoas ditas “normais” sobre o pequeno corpo desse homem. A mãe/doméstica é a única que se agacha e lhe olha nos olhos, encontram-se. Dois corpos historicamente animados e marginalizados revelam suas dores, anseios e aflições, naquela conversa que diz muito das pessoas que se reconhecem nas outras. Carlos Segundo traduz isso nesse encontro forte e delicado. 

“Big Bang” nos envolve por sua história, pelo corpo de Venturini quase nunca representado e protagonizado, há muita fortaleza ali, mas também vulnerabilidade, ora, as pessoas mais desamparadas pelo sistema têm que performar essas espessas barreiras para continuar resistindo em meio as sabotagens diárias que se sustentam e se sofisticam ao longo dos tempos para corpos como Chico, um anão, e uma mulher negra (abaixo da pirâmide social e geralmente em trabalhos que subtraem suas existências). E a consciência social existe através da dor, ela existe mesmo com (ou através de) um prato geladíssimo de uma doce vingança. E booom! 

A estrutura se mexe. 

“Big Bang” foi o vencedor de dois prêmios no 5° Festival de Cinema da Amazônia – Olhar do Norte 2023: Melhor Filme Júri Popular e Melhor Filme Júri Técnico da Mostra Outros Nortes.