Querido e gentil leitor, 

Ouvi essa semana que é difícil para um crítico escrever sobre o que ele ama. Meu teste de fogo será trazer para vocês a análise da primeira parte da terceira temporada de “Bridgerton”. Estamos na era Polin, ship de Penelope e Colin, e esta crítica está completamente imersa nesse momento!

Produzida por Jess Brownell, um dos grandes acertos desta temporada é oferecer profundidade e ressignificar o relacionamento de Penelope Featherington (Nicola Coughlan) e Colin Bridgerton (Luke Newton). Acompanhamos o amadurecimento da relação entre eles desde o episódio piloto, logo, diferentemente das temporadas anteriores em que era necessário introduzir os personagens principais, esta se torna uma sessão excepcional, o ponto alto de uma jornada já que os conhecemos, entendemos suas motivações e, muitos de nós, torcemos para que Colin finalmente tire Pen da friendzone.

 NOVO OLHAR

Gosto das escolhas de roteiro para mostrar o processo interno que rondam os protagonistas. Até o início desta temporada, os sentimentos, expectativas e frustrações de Pen em relação a Colin sempre foram nítidas para o público. E o que Brownell nos proporciona é uma viagem por dentro dessa mesma perspectiva só que do protagonista masculino. Para isso, a série utiliza elementos clássicos de comédia romântica a fim de percebermos como os sentimentos do terceiro Bridgerton pela amiga estimada estão desabrochando de forma acelerada, uma vez que já residem nele desde antes daquele “Penelope, What a Barb!”. 

Ao mesmo tempo em que temos estereótipos de rom-coms como as táticas de charme, os flertes entre amigos que já se curtem e o embaraço após um sonho erótico, há uma subversão na construção narrativa, uma vez que Penelope não segue o mesmo fio de tropos femininos desse tipo de gênero. Um exemplo de como isso ocorre está na sua mudança de visual: enquanto, geralmente, a mocinha passa por uma transformação na aparência que influencia a personalidade e a transmuta para literalmente outra pessoa, Penelope continua sendo vista e tratada da mesma forma, uma wallflower. Até mesmo sua mãe desacredita que os vestidos novos, penteados e makes tenham a proposta de que ela conquiste um marido. Penelope não muda. Ela apenas amadurece, deixa de usar a voz infantilizada e ter os diálogos de fan-girl que tinha com Colin. A filha mais nova de Portia (Polly Walker) permite que outras pessoas possam conhecer seu lado ácido, honesto e refrescante. 

Nesse percurso, me chama atenção o desenvolvimento de seu cortejo com Lord Debling (Sam Phillips): a dinâmica da relação deles é muito bem arquitetada com ele sempre se aproximando em um momento no qual ela está tão irritadiça que se despe de qualquer modéstia social e se permite ser ela mesma. Isso faz com que ele a trate como uma igual e queira estar junto dela. Diferentemente das propostas de rivais românticos das temporadas anteriores, Debling é realmente alguém com quem você pode torcer para que Penelope fique. Ele a respeita e não subestima sua inteligência; pelo contrário, isso é o que o atrai. Além do fato de deixar claro sempre o teor do matrimônio que haveria entre eles, mas sem matar os sonhos e as esperanças dela, como se algum dia fossem se tornar importantes para ele. Seria um pretendente ideal para Pen. Sua sagacidade está tão no mesmo nível que a dela que é a única pessoa que consegue juntar as peças e perceber o afeto escondido entre ela e o Senhor Bridgerton, algo que nem Eloise (Claudia Jessie) foi capaz de notar ao longo dos anos de amizade.

BEM-VINDAS TRANSFORMAÇÕES

Preciso destacar ainda na relação entre Penelope e Debling o quanto ela luta para que esse compromisso seja firmado, mesmo que isso nos renda momentos de vergonha alheia — como a cena da grama. É empoderador observá-la sair da sombra para conquistar um homem que não é aquele por quem a vimos sofrer, chorar e observar escondida. E é mais interessante ainda vê-la triunfar e seguir em frente enquanto observamos Colin partir na sua contramão. As lições fazem com que Penelope reafirme a percepção que tem de si e o olhar sagaz com o qual sempre visualizou a alta sociedade, por estar de fora. Por outro lado, Colin mostra o qual outsider ele é. 

Embora seja um homem branco, rico e de uma das famílias mais influentes de Londres, ele não sabe quem é de verdade. Por isso, no início da temporada, o comportamento galante e paquerador soa falso e forçado. Conforme vemos a aproximação com Penelope e o quanto sofre por não conseguir nomear seus sentimentos, toda essa capa se esvai e vemos a real transformação de um personagem diante de nossa tela. Luke Newton mostra o quanto amadureceu como ator e como não há vestígios daquele Colin dócil e impressionável das primeiras temporadas.

 ANSIEDADE TRANSBORDA

Para os fãs de “Os Segredos de Colin Bridgerton” essa temporada é como um presente. O livro não é seguido a risca — mas quem se iludiu que seria depois da adaptação da história de Antony (Jonathan Bailey) e Kate (Simone Ashley)? —, no entanto, algumas das cenas mais marcantes estão presentes com ressignificações que aprofundaram ou deram um teor muito mais íntimo e sensível do que a sensação presente no livro de Julia Quinn. Um exemplo é o momento em que Penelope lê o diário de Colin, uma sequência meio rude do filho de Violet (Ruth Gemmel) no livro, mas que aqui foi encantador e serviu pra mostrar as perspectivas do personagem sobre sexo e conexão. E como isso é importante para esquadrinhar e compreender a icônica cena da carruagem, escolhida para fechar essa primeira parte da temporada. 

Já para os fãs do clã que dá nome ao projeto, esta é a era que mais oferece arcos aos irmãos. O que tem seu lado positivo, mas também um negativo. Se Francesca (Hannah Dodd) demonstra ter fobia social, anseio pelo silêncio e um hiper foco no piano forte; Eloise passa por um processo interessante de amadurecimento e tridimensionalidade. Deixou de ser um estereótipo de feminista liberal com pick me girl para viver uma ambivalência dentro de suas relações de amizade. Enquanto ambas possuem narrativas que podem apontar para o protagonismo da próxima temporada, Benedict (Luke Thompson) se afunda em plots reaproveitados e uma certa regressão de sua sensibilidade e percepção.

Sinto dizer que essa expansão de narrativas secundárias, contudo, é um dos pontos mais fracos de “Bridgerton”, não servindo nem mesmo para alívio cômico. Qual a necessidade, por exemplo, de se discutir questões que se resolveram em “Queen Charlotte”, como o plot dos Mondriches e  Featheringtons? Indagação semelhante pode ser feita ao arco de Cressida (Jessica Madsen), minha esperança é que haja um motivo concreto, na parte final da temporada, para que conheçamos seus receios e seu lado menos cruel.

Ademais, “Bridgerton” continua nos imergindo no idílico cenário social da Inglaterra Georgiana com seus bailes temáticos, os figurinos mimosos com um toque de modernidade, a versão orquestral de canções pops, a busca por ser um ambiente acessível com inclusão social e a crença de que podemos viver uma doce história de amor, desde que estejamos prontos para o nosso glow up. Admito que estou com ansiosa para os próximos passos da história de Penelope e Colin.