Acredito que esse seja um filme que divida opiniões. De um lado, há aqueles que o aplaudem por explicitar a violência contínua sofrida por jovens negros, e, do outro, há aqueles que o taxam de explorador. Vou fazer uma mea culpa e revelar que acho interessante a escolha narrativa de “Dois Estranhos”, mas, ao mesmo tempo, me sinto incomodada com a violência gráfica.
Disponível na Netflix, o curta-metragem dirigido por Trevon Free e Martin Desmond Roe acompanha um dia na vida de Carter (Joey Bada$$) que se repete, invariavelmente trazendo um final trágico para ele. “Dois Estranhos” se apoia no preconceito presente – tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil – nas abordagens policiais com pessoas negras e os diretores utilizam situações que são o cotidiano de muitos jovens periféricos para provocar reflexões dolorosas.
O que sabemos sobre o personagem principal é que se trata de um designer de jogos, que mora com seu cão e passou a noite anterior com uma mulher que o fascina. Nada que justifique o tratamento dado a ele pela polícia a não ser por um fator: a cor de sua pele. Desde o primeiro frame em que ele está presente, a ambientação deixa claro de que há algo errado.
Seja por meio do close em seu rosto, a movimentação de câmera como se ele estivesse caindo da cama ou a conversa fiada que tenta jogar em seu affair: há algo estranho no ar que vai nos embrulhando o estômago até o momento em que o policial o aborda e somos testemunhas de seu assassinato.
LOOP INQUEBRANTÁVEL DE DOR E PRECONCEITO
E é nesse ponto que “Dois Estranhos” começa a assumir tons irresponsáveis, adotando gatilhos que servem ao lado sociológico, mas a troco de quê? Carter é o retrato do jovem negro preso na teia de racismo estrutural, e, independentemente de suas escolhas, haverá um alvo em suas costas. O roteiro de Trevon Free deixa isso explícito em todos os instantes.
Afinal, assim como em “Feitiço do Tempo”, “Palm Springs” e “A Morte Te Dá Parabéns”, cada assassinato de Carter o leva a repetir o fatídico dia e, consequentemente, a tentar sair dessa situação que é quando ele mais se afunda.
A grande questão é que, dado o momento em que vivemos, podemos ter esperança de que haverá um final bom e pacífico? Ou estamos presos num loop inquebrantável de dor e preconceito? Essas e outras questões nos permeiam, mas vê-las em tela de forma tão brutal e cruel chega a ser incômodo, perturbador e perigoso. A percepção que se desperta é a de que um assunto tão delicado e sério foi utilizado como lobby, já que o filme é um dos favoritos na corrida do Oscar.
Dessa forma, por mais boas intenções que “Dois Estranhos” tenha, a sensação de que algo desagradável as supera.
Pergunte se tiveram final feliz os nomes da lista no final do filme. A necessidade de querer um final feliz é uma forma de tapar os olhos e não querer enxergar e aceitar a verdade. O filme não é para lhe confortar e sim para incomodar mesmo. E se incomoda é porque vc está do outro lado da vitrine.