ATENÇÃO: Esse texto contém SPOILERS de “Vingadores: Era de Ultron”

Acompanhar “Vingadores: Era de Ultron” fez com que eu pensasse muito sobre o ato de escrever críticas. Nunca tive um filme tão difícil para resenhar como este. Sério. Não pela complexidade da obra, mas pelo fato de que observar a maneira como as pessoas assistem a esse filme fez com que eu refletisse sobre a função da minha escrita, me perguntasse para que serve.

A principal dúvida na minha cabeça agora é quem está lendo esse texto. Porque se você é um fã da HQ, conhece toda a história dos heróis, fica por dentro de tudo o que acontece nesse universo, creio que esse texto será de pouca utilidade. Que me perdoem as exceções, mas um filme como este gera reações tão apaixonadas, que as pessoas parecem não perceber que no fundo não estão genuinamente interessadas em ler uma opinião diferente sobre o filme, querem apenas reafirmar as suas convicções de que este é um filme incrível, e se você não acha isso é porque não leu a HQ.

Então, pra que serve a crítica em um filme como este? Para reafirmar as certezas dos fãs?

E veja bem, quando digo “um filme como este”, não estou me referindo a filmes de super-heróis, blockbusters, ou filmes populares de modo geral. Há muitos exemplos de filmes com estas características que são excelente cinema, inteligentes, inventivos, com linguagem sofisticada, envolventes. Estou me referindo ao filme que vem de um produto de grande sucesso (neste caso a HQ), e que só joga na certeza, privilegiando os fãs que acompanham os quadrinhos, e que em vez de contar a sua história através de ações e imagens, prioriza o diálogo, fazendo uma série de notas de rodapé para entendedores entenderem.

Mas se eu analisar o filme como obra de arte (que acredito que seja a maneira mais justa de se fazer, afinal, trata-se de uma manifestação artística), dou brecha para comentários de que eu não analisei o filme com o olhar certo, que não precisa ser tão sisudo, que é entretenimento apenas, não filosofe!

Esses comentários, porém, ignoram importantes questionamentos: Observar o filme como obra de arte me impede de enxergar os seus méritos de entretenimento? Uma coisa é diretamente oposta a outra? É claro que não! “Homem-Aranha 2″ (2004) e “Batman Begins” (2005) são exemplos disso, filmes absolutamente acessíveis, populares, e que assumem um tom extremamente contundente quando tratam dos dramas de seus personagens complexos, deixando de lado o tom inofensivo de seus colegas, para se tornar obras de genuína potência.

O que infelizmente não acontece neste Vingadores, que é bastante previsível, aposta em cenas de ação divertidas, mas que não trazem nada de novo, e abusa da nossa paciência com diálogos artificiais.

Peço desculpas se for sincero demais, mas é que realmente não consigo entender o motivo para tanta expectativa em cima de um filme que a gente já sabe pra onde vai, como termina, e que é sempre tão parecido! Quando a trama vai chegando à metade já está bem desenhada a linha de ação. Whedon tem diversas chances de subverter nossas expectativas, nem precisava fazer nada grandioso, apenas mudar alguma coisinha aqui e ali para criar um elemento incerto, mas isso não acontece, e acompanhamos passivamente a sucessão de lutas em que o herói nunca corre um real perigo, termina tudo bem, com os heróis salvando o dia mais uma vez, até chegar um novo vilão mais poderoso que coloca a roda pra girar de novo. Já perdi a conta de quantas vezes vi A Era de Ultron. Todo ano vejo algumas vezes. Até gostaria de ter o tesão que os fãs têm em acompanhar sucessivas vezes a mesma história, mas não consigo.

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Comparado ao primeiro filme, Ultron claramente tem um tom mais sério. Apesar das sequências de humor estarem presentes constantemente (as duas cenas envolvendo o martelo de Thor são bem engraçadas), este último filme, influenciado pela presença da Feiticeira Escarlate, investe nos receios dos heróis, nas suas fraquezas, e assim conhecemos outro lado daquelas figuras. Só que isso se restringe apenas a (boa) sequência em que os heróis estão delirando sob o efeito do poder da então vilã, porque depois, como na desastrosa sequência na casa do Gavião Arqueiro, literalmente acompanhamos uma discussão de relação após a outra, todas abusando dos diálogos expositivos, pouquíssimo inspirados, com uma dose forte de pieguice e frases de efeito. Primeiro vemos o Gavião e a sua esposa, na sequência Banner com Romanoff, e depois disso ainda vem Fury e Stark pra completar todas as explicações. Parece até piada a frágil saída encontrada por Whedon para apresentar os medos dos personagens, pois o diretor e roteirista poderia ter encontrado diversas soluções mais interessantes do que simplesmente colocar tudo na boca dos personagens. Isso demonstra uma enorme incapacidade narrativa do cineasta, que ainda repete o mesmo artifício para contar tim tim por tim tim a história dos gêmeos Wanda e Pietro.

E o fato de sabermos como tudo termina tira ainda mais o peso das tentativas de inserir drama no filme, e nem mesmo o elenco talentoso é capaz de legitimar tanta pieguice. Banner, que é o personagem mais interessante do grupo, o de melhor conflito interno, e de motivações mais incertas, é resumido a uma caricatura desinteressante, que aqui só aparece para flertar culpadamente com Romanoff, e que sempre apresenta um conveniente controle ou descontrole sob as suas ações quando está transformado em Hulk. Para criar uma cena de luta interessante com o Homem de Ferro, para os fãs pirarem, vale a pena assumir a incongruência dele estar descontrolado, para depois aparecer já sob controle na batidíssima batalha final para ajudar os seus companheiros. Como se dá isso? Como se explica ele estar sob controle num momento, para depois não estar mais? Filosofando…

De maneira geral, isso vale para todos os personagens, que pelo fato de haver uma necessidade de dar espaço para os vários “protagonistas”, acaba que ninguém é desenvolvido satisfatoriamente, todos parecem ter conflitos desinteressantes e inofensivos, e o pior: fica tudo explicado nos mínimos detalhes no diálogo expositivo.

Mesmo que as sequências de ação sejam interessantes, como na já comentadíssima briga entre o Homem de Ferro e Hulk (que certamente foi pensada para ser debatida pelos fãs por anos), elas não trazem nada de novo, nada de muito diferente do que já vimos anteriormente, sendo até inferiores às vistas em “Capitão América 2: O Soldado Invernal (2014), que são mais impactantes e melhor montadas, investindo mais na coreografia e nos cortes, do que nos efeitos de computação gráfica.

E até quando o filme acaba surpreendendo de alguma maneira, fica a sensação de que ele dá de uma mão para tirar por outra. Tava na cara que o Gavião Arqueiro ia morrer. A coisa mais manjada do mundo no cinema é o soldado que vai pra guerra dizer para a esposa que aquela é a última batalha, e que depois dessa ela vai ficar em casa e cuidar de todas as goteiras, do trator que não funciona, etc, para depois morrer em combate deixando a esposa viúva. Então foi com surpresa que vi que o herói não morre. Mas Whedon troca um clichê por outro, quando coloca a, tão manjada quanto, cena em que todos estão escapando de um lugar perigoso, mas um garoto mais lerdo ficou preso em algum lugar, o herói percebe, salva a criança, mas acaba não tendo tempo de salvar a si mesmo. Neste caso, quem pagou com a vida foi o Mercúrio…

Claro que é sempre complicado falar de clichê. Filmes clássicos, filmes premiados, cults, etc. têm clichês. Acredito que o problema não seja esse, mas sim quando o clichê impede a criação de algo novo, quando se acha que ele basta, que se for divertido tá valendo.

Mas esse é um problema do clichê: quando se repete muito, nem divertido ele é mais, como é o caso aqui. E apesar de este filme ser uma super produção, com ótimos efeitos visuais (apesar do 3D desnecessário, de novo), edição e mixagem de som impecáveis, um competente design de produção e um elenco formado por bons atores, no fundo Vingadores: Era de Ultron é um filme previsível, repetitivo, de roteiro problemático, com diálogos expositivos e mal concebidos, mas que joga pra torcida como ninguém.