Nos últimos anos, a gastronomia ganhou um espaço de destaque dentro da cultura pop. Realities shows e programas sobre o tema a todo instante na televisão, chefs de cozinha se tornando celebridades, food trucks/bikes virando modas nas principais cidades, eventos abertos levando multidões para experimentar pratos de diferentes culinárias. O cinema, claro, não deixaria o assunto fora de sua órbita e produções como “Ratatouille”, “Lunchbox” e “Chef” são as mais conhecidas.

Aproveitando o boom sobre o assunto, “Pegando Fogo” equipara o chef de cozinha a um rockstar: onipotente, rebelde, encrenqueiro, gênio incontrolável, perfeccionista, drogado, alcoólatra. Nada melhor do que colocar o galã do momento – Bradley Cooper – para dar ainda mais um toque de grandiosidade à profissão. O resultado que tinha tudo para dar certo, porém, entorna pela falta de criatividade para desenvolver a história.

“Pegando Fogo” acompanha Adam Jones, um brilhante, mas problemático, chef de cozinha que tenta recomeçar a carreira em Londres. Isso porque ele resolveu cumprir uma penitência de descascar um milhão de ostras em Louisiana depois de jogar fora o espetacular momento que vivia em Paris pelos excessos como drogas e bebidas. Algumas situações mal resolvidas acabam vindo cobrar a conta anos mais tarde.

A frase inicial do protagonista ao falar que tenta melhorar algo criado por Deus serve de alerta para o que veremos adiante. Essa frase provocativa, para muitos, deixa a sensação de um sujeito sem limites, o que se torna ainda mais forte com as comparações de que ele seria o Rolling Stones dos chefs e à saga “Star Wars“. O mistério entorno do passado do personagem, pela opção do roteiro escrito por Steven Knight em não revelar tudo com exatidão, alimenta ainda mais a curiosidade do público em desvendar quem é, afinal de contas, o tal Adam Jones. Habilidoso ao interpretar personagens instáveis como já demonstrou em “O Lado Bom da Vida” e “Sniper Americano”, Bradley Cooper encaixa com perfeição ao mesclar fúria e fragilidade como poucos atores da atualidade.

Mesmo sem fazer com muito brilho, John Wells conduz bem a história e, com o apoio da ótima montagem de Nick Moore, cria momentos de tensão excelentes iguais ao que fizera no irregular “Álbum de Família”. O ponto alto do filme, aliás, é a preparação do prato na primeira visita dos críticos da Michelin. Apesar de Cooper dominar a cena, há espaço para os coadjuvantes terem um mínimo de destaque, especialmente, Daniel Bruhl que, com pouco tempo, nos faz importar com aquele sujeito generoso e apaixonado pelo chef.

É uma pena ver que toda a boa construção do universo do instável protagonista e sua louca obsessão pela perfeição sejam jogados fora pelas soluções encontradas pelo roteiro ao longo da trama. Se a parte inicial de “Pegando Fogo” lembra o começo da carreira de Steve Knight com tramas corajosas e sempre disposto a ir pelos caminhos menos óbvios (“Senhores do Crime”, “Coisas Belas e Sujas” e “Locke”), na metade final, o roteirista opta por mostrar que está em má fase. Para tanto, surge a pieguice de “A 100 Passos de um Sonho” com uma lição de moral sobre a família completamente destoante ao visto no início e com os desfechos vergonhosos à la “O Sétimo Filho”. A situação envolvendo os críticos gastronômicos e a forma como se livra dos traficantes são verdadeiros ‘Deus ex Machina’.

O final somente não é mais constrangedor pela habilidade de John Wells em não vir com um discurso barato e deixar as imagens preencherem a história. “Pegando Fogo” empalidece ainda mais se lembrarmos que, em 2015, tivemos uma produção com mote parecido: “Whiplash”.

Na comparação, a obra de Damien Chazelle é o verdadeiro Rolling Stones.