Quando “Encantada” foi lançado, eu estava entrando na adolescência e confesso que tenho uma memória afetiva pela obra, principalmente pelos elementos e conceitos pós-modernos encontrados no decorrer das músicas, diálogos e da própria narrativa em si. Não faço parte do grupo que curte nostalgia, no entanto assistir a continuação de um filme depois de mais de uma década exige que as lembranças do filme anterior estejam presentes e, para mim, nem esse ponto consegue salvar  “Desencantada”. 

A trama acompanha Giselle (Amy Adams), 15 anos após o seu “felizes para sempre”. Ela segue casada com Robert (Patrick Dempsey) com quem teve uma filha, Sofia. Agora, precisa lidar com a adolescência de Morgan (Gabriella Baldacchino) e os afazeres do dia-a-dia, percebendo que a vida real não é tão mágica quanto idealizou por todos esses anos. Eles deixam Nova York para morarem no subúrbio, onde acredita poder recuperar o ânimo e a fantasia de Andalasia e, é a partir desta mudança, que a narrativa se desenvolve. 

Em busca de Giselle

Giselle é o guia e o centro de “Desencantada”. O roteiro procura discutir a relação dela com Morgan, mas seu olhar está sempre voltado à protagonista: seus anseios, inquietudes e devaneios. Nessa construção, se busca em 2022 a mesma docilidade e carisma que a personagem trouxe em 2007, mas ele não está aqui. 

É curioso que, em “Encantada”, Giselle passava uma aura crível. Ela não entendia como nosso “universo” funcionava, mas suas colocações, ponderações e atitudes condiziam não apenas com a narrativa, mas com a própria realidade. Quando cantava sobre o amor, por exemplo, ou costurava as roupas a partir de cortinas, a personagem esbanjava inocência, fascínio e realidade; o mesmo não se pode dizer da Giselle mãe de Sofia. 

Tenho a sensação que a personagem regrediu. A rotina a cansou e ela convenceu a família a ir morar em um bairro que lhe lembrava seu lar, mas precisou de 15 anos para isso? O mais absurdo é olhar para Giselle e ver que está mais presa às ilusões do que quando chegou a Nova York. Entendo a necessidade de mudança, respirar novos ares, contudo não deixo de indagar as evoluções que a personagem havia adquirido no último filme que simplesmente são ignoradas aqui, afinal de contas, que fim se deu a marca de roupas que Giselle assinava no final de “Encantada” e por que no seu mundo ideal a vida perfeita das mulheres é cuidar do lar?

Não gostaria de fazer um julgamento moral da personagem que, por muitos anos, cantou sobre relacionamentos pós-modernos, mas me indago porque ela se tornou uma mãe de família dos anos 50 que teme ser chamada de madrasta. Não à toa sua tônica maior é pautada no próprio egocentrismo de não ter o seu final feliz. 

Compreendo que ela sente falta de Andalasia e, talvez, seu maior anseio fosse voltar a morar em sua casa feita de árvore ou em um palácio de torre única, tal qual os castelos na Toscana. Mas essa não é a mensagem que o filme passa. Além de ser superficial na discussão de relacionamento entre a filha adolescente/enteada e a figura matriarcal, “Desencantada” tenta debater um felizes para sempre pautado em argumentos fracos como desavenças com o filho adolescente, a casa em construção; coisas simples de serem solucionadas e que geram confusão apenas pelas escolhas da protagonista. 

Preciso lembrar que ela escolheu ir com a família para o subúrbio e todos moldam a sua vida para que ela seja feliz ignorando as dificuldades que passam por isso – e que os incomodam visto a cena no trem e na escola -, mesmo assim não é o suficiente para a personagem central. Talvez “Desencantada” fosse mais contundente se conseguisse explorar essas questões de forma mais profunda, como “Cinderela 3” e “Mulan 2”, que buscam mostrar conflitos verosimilhantes sobre a vida em uma nova família, em um novo ambiente e com uma dinâmica diferenciada da que as protagonistas estavam acostumadas. Falta realidade para Giselle. 

Um olhar incômodo

Entre as questões inquietantes de “Desencantada” produzido por Amy Adams está o tempo de tela dedicado aos personagens e a atuação do elenco. O antagonismo da produção se calca em uma rivalidade feminina besta e ridícula, deixando saudades dos grandes vilões das princesas da Disney. Soma-se a isso a participação mínima de Patrick Dempsey e James Marsden, enquanto o par da protagonista parece congelado e alheio a toda a narrativa que ocorre ao seu redor, Marsden traz a mesma essência do seu personagem, pena que ambos façam apenas figuração aqui. 

No entanto, embora a produção se concentre em Giselle, Adams não consegue encontrar o tom da protagonista, parecendo estar sempre um pouco acima, como se estivesse em uma farsa teatral, o que contribui para a sensação de irreal que esta transmite. 

A verdade é que “Desencantada” segue o próprio título e não recupera a magia que “Encantada” transpira. Não há uma música marcante, não há uma cena que te faça querer voltar e ficar revendo incansavelmente. Nem mesmo a nostalgia consegue nos prender e foi justamente as lembranças da produção anterior que me distanciaram de ver o final feliz de Giselle. 

Uma pena, considerando todas as referências presentes na narrativa, além da inovação que esta princesa pós-moderna trouxe para os estúdios Disney. 

Sigo então com a voz de Carrie Underwood cantando Ever ever after.