Hilário e tocante, “Hit the Road” é uma das maiores surpresas do cinema de 2021. O longa, exibido na seção Horizontes do Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary deste ano depois de estrear na Quinzena dos Realizadores em Cannes, adiciona uma boa dose de anarquia ao filão de road movies iranianos. Ele também marca a estreia de Panah Panahi – filho do grande diretor Jafar Panahi (“Táxi Teerã” e “Isto não é um filme”) – na direção e a maturidade demonstrada aqui sugere que Panah pode ter uma carreira tão celebrada quanto a do pai pela frente. 
 
O cineasta não perde tempo em situar o espectador e começa o filme in media res (no meio da história): uma longa tomada nos apresenta um menino (Rayan Sarlak) e seu pai (Hassan Madjooni) dentro de um carro à beira da estrada, e do lado de fora, sua mãe (Pantea Panahiha) e o irmão mais velho (Amin Simiar). Eles estão em uma viagem rumo ao norte do Irã, mas há algo estranho no ar. 
 
Os 93 minutos de projeção voam, pois, o roteiro, assinado por Panahi, se recusa terminantemente a apelar para cenas expositivas, dando pistas sobre os acontecimentos de “Hit the Road” pouco a pouco e prendendo a atenção do público. A princípio, a família conversa – e briga – como qualquer uma. Porém, silêncios cheios de significado e uma preocupação em estarem sendo seguidos indicam que essa não é uma viagem qualquer. Quando finalmente o motivo dela é revelado, o filme ganha novos contornos dramáticos. 

INÍCIO DE UMA LONGA VIAGEM PARA PANAHI

O diretor alterna habilmente entre comédia e drama em boa parte porque seu elenco dá tudo de si em atuações complementares que criam um microcosmo perfeitamente relacionável. Os quatro estão ótimos, mas dois se sobressaem: Panahiha vai além do estereótipo de mãe sofredora para entregar uma personagem que existe na tríplice fronteira entre a dor, a esperança e a resiliência. 
 
Como o yang para o ying de Panahiha, Sarlak dá ao meninote uma energia hiperativa quase maníaca, sendo o grande alívio cômico do filme. Ele faz de tudo: exibe uma comédia física inata, profere linhas e linhas de diálogo na velocidade da luz e ainda protagoniza uma sequência de lip sync que já nasceu icônica. 
 
Quando estes dois atores se juntam – à la yin e yang – para uma performance conjunta em uma cena devastadora no início do terceiro ato – o ápice da produção -, o público sabe que está diante de algo especial. A cena em si, gravada sem cortes e à distância pelo diretor de fotografia Amin Jafari, remete ao estilo do cineasta Abbas Kiarostami e é de tirar o fôlego. 
 
As referências a outros diretores, no entanto, não dominam “Hit the Road”. Panahi usa realismo, lirismo, linguagem de videoclipe e até mesmo uma sequência completamente fantástica em CGI para compor um grande longa que confirma como um talento a se observar. Muitos diretores nunca chegam a esse nível. Que ele tenha começado nele é um sinal de que, como a família que retratou, ele está aqui para uma longa viagem. 

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