De tempos em tempos aparece um filme vindo de lugar nenhum que pega todo mundo de surpresa. A bola da vez parece ser o australiano “Fale Comigo”, que, produzido por menos de US$ 5 milhões, já mais que septuplicou seu orçamento nas bilheterias. 

Importante, nesse caso, que o jornalista, pensando em seu público, pegue no batente e pesquise sobre essa história de sucesso. Felizmente, outros críticos já haviam feito o trabalho duro por mim, e fiquei sabendo um pouco mais sobre o filme na fila para a cabine de imprensa. 

Dois jovens jornalistas conversavam à minha frente. Um deles afirmava com entusiasmo acompanhar os diretores pela internet há tempos, através de um canal no YouTube: RackaRacka. Parece, aliás, que a dupla Danny e Michael Phillipou usa o canal para testar suas ideias horripilantes. 

Dentro da sala, dois críticos de meia-idade suspiravam com força: “É filme de terror, né? A criançada gosta”. 

Das conversas entreouvidas pude inferir duas coisas: a primeira é que os diretores estão estreando no mundo dos longas-metragens; a segunda é que eles parecem estar particularmente conectados à sua geração. 

Principiantes

E a primeira assertiva já pode ser verificada logo de cara, no chamativo plano-sequência que abre “Fale Comigo”. Em uma toada quase à la “Boogie Nights”, acompanhamos o desfecho de uma festança que deu muito errado – algo envolvendo espíritos que culmina em um suicídio sangrento. 

Em seguida, conhecemos Mia (Sophie Wilde). Desde a morte da mãe em uma overdose acidental, as coisas andam esquisitas com o pai. Por isso, ela passa a maior parte dos dias na casa da amiga Jade (Alexandra Jensen), sendo praticamente parte da família. 

Adolescentes sendo adolescentes, Mia logo entra numa de participar de sessões de invocação. Mas a vaca vai pro brejo mesmo quando o caçula Riley (Joe Bird) decide se juntar à festa. 

Já que os diretores estão conectados à sua geração, a primeira coisa que chama a atenção nas festanças de invocação é a presença de celulares. O chamamento dos espíritos parece ser algo quase como uma trend de TikTok, e a luz dos flashes dos celulares recai friamente sobre os corpos possuídos por tristes espíritos perdidos. 

A própria Mia, após ser possuída, reflete sobre a adrenalina da situação: a sensação é a de ser um espectador de luxo para o maior espetáculo de todos, ao mesmo tempo que se é o centro das atrações. Uma imagem, logo no começo da projeção, parece sublinhar todas essas reflexões: Mia e Riley testemunhando a agonia de um canguru atropelado na estrada. O que fazer diante do sofrimento alheio? 

Claro que o Tema vem com T maiúsculo – afinal de contas, a A24 não comprou os direitos do filme por acaso. Mas as imagens que os diretores criam são tão evocativas que isso nem importa. Aliás, a gente até começa perdoando o andamento meio trôpego do filme. Sim, porque com apenas 95 minutos, “Fale Comigo” parece ter o dobro de duração. 

Menos temas, mais imagens

Não só os Phillipou têm clara dificuldade com a estrutura convencional de um filme (resquício dos tempos de Youtube, talvez?), como se complicam ainda mais adicionando uma porção de outros subplots ao longa. Assim, não só o tesão reprimido de Mia pelo atual namorado de Jade dá as caras, como também Ele, a menina dos olhos de todo terror que insiste em querer justificar sua existência a todo tempo: o Luto. 

É curioso como essa seara contemporânea, da qual a A24 tem sua parcela de culpa, age como se tivesse descoberto o Luto – que, por vezes, aparece ainda sob o avatar de seu primo, o Trauma. Mas eu me pergunto se toda história de fantasmas já não é, em alguma medida, sobre o luto. Se você vai começar a escrever substantivos com maiúsculas, é melhor ter um bom motivo. 

No que tange aos diretores, parece ser o caso de querer se provar. Eles fazem tudo certinho, constroem todas as rimas visuais bonitinhas, puxam todas as cordas na hora certa, tudo nos conformes. O respaldo crítico parece atestar para o sucesso da empreitada. Mas é tanta coisa para resolver que o filme se atrapalha. 

Como a criança hiperativa que tenta impressionar os adultos, “Fale Comigo” agrega suas várias ideias com mais entusiasmo que prudência. E quando a imagem do canguru moribundo reaparece no clímax, com requintes de obviedade, fica difícil não revirar os olhos. 

O balanço final, então, fica sendo o seguinte: enquanto tratado sobre o que quer que seja, o filme é ruim. Mas enquanto reflexão sobre uma série de anseios geracionais bastante específicos, as imagens se garantem. 

Ou, em outras palavras: “Fale Comigo” é uma bagunça, mas eu prefiro uma bagunça evocativa do que um filme seco e bem calculado.