Em “Estranho Caminho”, David está de volta ao Brasil após anos vivendo em Lisboa, onde fez a vida, encontrou uma parceira, filmou seus filmes. Agora, está prestes a exibir seu primeiro longa-metragem em um festival brasileiro. Momento oportuno de reencontro, portanto, não só com sua terra natal, mas com a figura do pai de quem se distanciou. Por quê? Não sabemos a princípio. Também não sabemos exatamente a razão de David parecer tão reticente em bater à porta do coroa. Ele hesita, pensa, decide ir embora.   

Mas aí a vida de todo o planeta é interrompida por uma certa pandemia e David se vê sozinho no Brasil, sem dinheiro nem lugar onde ficar. Resta apelar para a benevolência do pai, que logo nos mostrará que uma palavra como “benevolente” é generosa demais para com sua pessoa.  

Geraldo, o pai, é interpretado por Carlos Francisco em chave totalmente oposta à do caloroso patriarca de “Marte Um”. Leia-se: um dos sujeitos mais esquivos, intransigentes e não comunicativos de que se tem notícia. Que não só não sintamos ódio dessa figura, como também sejamos capazes de rir e sentir remorso diante dela é atestado do talento desse grande ator.  

Já Lucas Limeira como David carrega “Estranho Caminho” do início ao fim, com o olhar oscilando entre a estupefação passiva e a resignação dócil. Ele é nossa âncora no que começa como uma comédia de erros, flerta com o horror e deságua no fantástico sem nunca titubear ou forçar a barra. 

É como se Guto Parente, o diretor, brincasse de malabares com os gêneros cinematográficos. Essa sua tendência já havia despontado em “Inferninho”, onde compartilhou a direção com Pedro Diógenes. Mas a mescla entre tons e influências era ali mais um pastiche barato do que qualquer outra coisa. Algo como uma absorção espertinha de Fassbinder com requintes Lynchianos.  

Aqui, no entanto, Parente encontra um tom que é só seu enquanto traça o caminho mais sinuoso de todos para a dupla de pai e filho. No processo, a gente fica entendendo por que é tão importante que David seja um cineasta: essa é uma reaproximação que só pode acontecer através do cinema. E acontece – aos trancos e barrancos, mas acontece em “Estranho Caminho”. 

Filme visto na cobertura do Festival do Rio 2023.