“Tal ator/atriz é tão incrível que poderíamos até vê-lo(a) por duas horas lendo uma bula de remédio”.

Caro leitor, você provavelmente já ouviu ou leu essa expressão em algum lugar, em alguma crítica de cinema ou mesmo em um comentário qualquer, não é verdade? Bem, essa expressão é uma hipérbole, claro, mas existem alguns casos de atores/atrizes que são tão incríveis, possuem um domínio tão pleno do seu ofício e suas técnicas, conseguindo capturar nossas emoções de modo tão forte, que essa frase até consegue ser aplicável sem parecer exagerada.

E se pensarmos bem, Willem Dafoe é um desses casos. Ele já tem quase 40 anos de carreira nas telas e é um legítimo ator de cinema: já foi Jesus, vampiro, Van Gogh, Duende Verde, foi coadjuvante e ator principal seja em blockbusters ou no cinema independente, tanto norte-americano quanto mundial. Trabalhou com grandes mestres, esteve em filmes ótimos, bons e ruins (faz parte), e foi indicado a Oscars por quatro vezes – e ainda parece pouco. O cara é uma lenda, e eu, particularmente, o veria sim por duas horas lendo uma bula de remédio.

Inside, o novo filme estrelado pelo ator e dirigido pelo estreante Vasilis Katsoupis, é praticamente isso: Dafoe está sozinho em cena pela quase totalidade da 1h45 de duração. Ele interpreta Nemo, um ladrão de obras de arte que invade uma cobertura de luxo em Nova York para roubar e acaba preso pelo sistema de segurança do local. O apartamento tem pouca água e comida e seus comparsas simplesmente o abandonam. E o controle ambiental, com defeito, faz o lugar ficar ora muito quente, ora muito frio. Pelo restante do filme, o vemos tentar achar um jeito de escapar, enquanto aos poucos a sua condição mental começa a se deteriorar, enquanto cria suas próprias obras de arte.

INEXPERIÊNCIA COBRA PREÇO

Inspirado a partir de uma ideia do diretor, Inside é um filme curioso, sempre interessante, em alguns momentos disperso e difícil de se assistir, mas com camadas que vão além do óbvio. Não deixa de apresentar uma sutil discussão sobre arte: logo de cara, o protagonista seduz com um monólogo no qual ressalta que “arte é para sempre” e o calvário dele é ocasionalmente sublinhado por uma pintura ou uma fotografia que aparecem no apartamento.

Katsoupis também é inteligente ao apresentar alguns símbolos visuais no filme: um peixe em um aquário, a estrutura que Nemo vai montando para alcançar o telhado da cobertura que começa a se assemelhar a uma instalação artística, o pombo na sacada… “Inside” faz uso de interessantes metáforas visuais que vão enriquecendo a experiência. E a “Macarena” que toca em alguns momentos traz uma necessária dose de humor.

A inexperiência do diretor, porém, cobra um pouco de preço: o filme não segura bem o ritmo e fica-se com a sensação de que uma duração mais curta podia beneficiar a experiência. Em alguns momentos, “Inside” parece disperso, vagando como a mente do seu protagonista, e algumas situações começam a parecer repetitivas. É um filme com uma premissa audaciosa, mas que em alguns trechos parece vagar a esmo e não ter muita certeza do que exatamente fazer com ela.

GRANDE MOMENTO DE DAFOE

Mas, obviamente, a melhor coisa de “Inside” e a razão para fãs de cinema o assistirem é a atuação de Dafoe. Este poderia ser um projeto de vaidade, mas o trabalho do ator na condução do filme é tão preciso, criativo, e lhe permite exercitar tantas facetas – ele é assustador, engraçado, patético, forte – que se torna mais um grande momento de uma carreira já cheia deles.

O filme não dá muitas informações sobre o protagonista, então, a situação começa a parecer cada vez mais abstrata, primária, com Dafoe simbolizando a humanidade. E o ator agarra o desafio com unhas e dentes, se tornando a principal razão de ser do filme.

De fato, o pequeno monólogo do personagem sobre arte e as coisas que salvaria de um incêndio em sua casa acabam sintetizando o ator Willem Dafoe: um profissional acima de tudo levado pelo seu desejo de criar arte e de valorizar o seu ofício em diferentes produções, com os mais variados papéis. Nos últimos anos, Dafoe parece em estado de graça, numa fase de ótimas atuações em sequência. Inside é mais um grande momento e que parece ressaltar mais do que a maioria a importância deste grande ator para o cinema moderno.