Com três intérpretes diferentes, o Homem-Aranha é o herói mais replicado no cinema (ao menos no século XXI). E é claro que a cada nova saga do herói a expectativa é sempre de superação, mas, mesmo sob essa pressão, em 2017, Tom Holland conseguiu se consagrar como o teioso de maneira fácil com seu carisma e ótimas aparições em outras histórias do MCU. 

‘Sem Volta Para Casa’ é o encerramento de sua trilogia semelhante ao que ocorreu com “Homem de Ferro 3”. Porém, se o fraco último filme solo de Tony Stark pouco afetou os caminhos do Universo Marvel até o catártico “Vingadores: Ultimato”, aqui, a missão é diferente, afinal, o Homem-Aranha, além da extrema popularidade, é um dos fios condutores dos próximos anos da fase 4. Desta forma, a expectativa de uma produção épica era altíssima para os fãs e pode-se dizer sem medo de errar que a meta foi alcançada.  

PARA ALÉM DO NOSTÁLGICO 

Após dois filmes “coming of age”, Peter Parker precisava de uma trama mais madura, mostrando seu protagonismo natural desde ‘Guerra Infinita”. “Sem Volta Para Casa” parte deste pressuposto com a trama acompanhando Peter (Tom Holland) e MJ (Zendaya) logo após o vilão Mysterio (Jake Gyllenhaal) revelar sua identidade ao mundo. O herói não pode mais se esconder ou se dividir entre duas vidas diferentes. Além de questões sobre legalidade, ele passa a enfrentar a opinião pública, algo apresentado com maestria em ‘The Boys’: existem pessoas que o endeusam, existem haters e até mesmo quem queira agredi-lo.  

Com a melhor das intenções, Peter procura o Doutor Estranho (Benedict Cumberbach) na esperança de que ele possa resolver tudo com um feitiço. A tentativa, claro, não dá certo, abrindo uma fenda entre diferentes universos, o que traz de volta os vilões apresentados na trilogia de Sam Raimi e nos dois nada populares longas comandados por Marc Webb.  

Aqui, “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa” consegue driblar uma armadilha, pois, as participações não têm um ar meramente saudosista; tendo os principais deles personalidades complexas e bem construídas. Ver Alfred Molina novamente com a fascinante dualidade de Otto Octavius e Willem Dafoe claramente se divertindo e, ao mesmo tempo, entregando um personagem repleto de facetas como Harry Osbourne tornam a experiência enriquecedora para além do nostálgico. Somente Jamie Foxx como Electro parece deslocado, restrito ao estereótipo do vilão traidor, malandro. 

Nem tudo é perfeito  

Para se divertir com “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa”, o público precisa deixar de lado certas conveniências tomadas pelo roteiro de Chris McKenna e Erik Sommers. Não faltam explicações simplistas ou mal desenvolvidas – a forma como Peter se livra da Justiça logo no início do filme com a presença de um personagem querido do MCU é, no mínimo, preguiçosa. 

O Doutor Estranho é quem mais sofre, sendo toda sua participação cercada por erros no roteiro ao falar informações que não tinha recebido ainda, sumindo da história quando é conveniente… A presença de Benedict Cumberbatch serve mais para dar ponto de partida para o drama de Peter Parker e como gancho para seu segundo filme solo do que necessariamente uma construção mais cuidadosa do personagem. 

Outros mal aproveitados são Ned (Jacob Batalon) e MJ (Zendaya) não pela ausência de uma participação efetiva, mas sim por apenas existirem em função de Peter. Após três filmes ainda sabemos pouco sobre suas vidas. O filme até tem uma cena na casa de Ned, mas suas relações familiares não são abordadas. No caso da MJ, ela tem um destaque maior como interesse romântico de Peter, mas é só isso, não sabemos mais sobre ela, suas questões pessoais. Existe uma história no pano de fundo sobre seus futuros na universidade, mas isso serve apenas para situar a trama principal. 

A PARTIR DE AGORA – COM SPOILERS

Para qualquer fã do aracnídeo e nostálgico de plantão, ter a chance de ver o encontro de Tom Holland com os antecessores Tobey Maguire e Andrew Garfield é a realização de um sonho. É basicamente o cinema se referenciando, em diálogos, no visual, na trama se repetindo em diferentes realidades, é incrível de se ver. E se o aproveitamento dos vilões já tinha sido bom, o dos heróis é melhor ainda. 

É muito precisa a participação dos outros dois Aranhas pra não roubarem o protagonismo de Holland, Tobey Maguire por si só tem um apelo enorme como o primeiro teioso dos cinemas e o saudosismo chega até mesmo na música-tema da primeira trilogia. A construção visual do herói mais experiente é ótima e se complementa com o estilo mais descolado de Andrew Garfield. Candidato ao Oscar por “Tick, Tick Boom”, o astro concilia humor e drama com talento de um dos melhores atores de sua geração, roubando a cena sempre que aparece. A cena em que o Peter de Garfield salva MJ é de fazer qualquer valentão lacrimejar. 

Essas participações dão uma continuidade essencial ao Peter de Tom Holland porque ele sempre teve a presença de um tutor, um guia em suas histórias, o que já não cabe mais devido a todo seu passado nos Vingadores. Esse encerramento de trilogia é também uma forma de ver esse Peter mais maduro e independente, chamando o Doutor Estranho de Stephen, o qual mesmo diz esquecer que Peter é apenas um garoto devido a todo seu passado juntos. Assim, a figura de dois outros heróis, garotos, com problemas semelhantes, são o guia final para Peter amadurecer e seguir sozinho. Existe finalmente a coragem de encerrar ciclos do personagem e lhe atribuir mais perdas, o que acrescenta mais profundidade e complexidade para sua história. 

Em linhas gerais, ‘Sem Volta Para Casa’ é um grande fan service, bem-feito, uma linda e incrível homenagem aos fãs e uma experiência muito particular a qualquer outro espectador, representando não apenas o auge do Peter atual nos cinemas, mas do próprio personagem dos quadrinhos, animações e cinema live action. 

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