• “No Portal da Eternidade” (“At Eternity´s Gate, 2018). Direção: Julian Schnabel. Elenco: Willem Dafoe, Oscar Isaac, Mads Mikkelsen.

Uma escolha interessante do diretor Julian Schnabel, ao optar por Willem Dafoe, para interpretar o pintor holandês Vicent Van Gogh na cinebiografia No Portal da Eternidade. Mas não deixa de ser uma decisão mais do que acertada: apesar do brilhante artista holandês ter morrido aos 37 anos, o ator nos faz esquecer dos seus 60 anos e entrega uma performance memorável.

Conhecido por outra cinebiografia, “O Escafandro e a Borboleta” (leia o texto que escrevi sobre este filmaço aqui no Cine Set), Julian Schnabel traz muito do acerto na escolha de Willem Dafoe pela semelhança que este guarda com Van Gogh: quando se compara aos autorretratos feitos pelo próprio pintor, cria-se um paralelo interessante, do homem que está ali, com o feito de tinta. O Van Gogh nos retratos parece, de fato, um homem mais velho.

“No Portal da Eternidade” apresenta trechos da vida do artista, em grande parte em Arles, no sul da França – onde pintou mais de 70 quadros – até o momento de sua misteriosa morte. A direção de fotografia de Benoît Delhomme se utiliza ora da câmera inquieta acompanhando até literalmente os passos do pintor ou mesmo uma câmera subjetiva, o que, de maneira sutil, nos permite experienciar a visão distorcida com aquele amarelo vivo do artista, relacionando-o a problemas de saúde de Van Gogh. Por fim, Schnabel nos entrega o que seria momentos da intimidade do artista, seus medos, anseios, desejos e carências.

SHOW DE DAFOE E DOBRADINHA IMPERDÍVEL

 

A verdade é que Vicent Van Gogh não sofreu apenas por não ser compreendido como artista, mas também como pessoa. Por sua aparência sempre desleixada, sua falta de tato para uma conversa ou uma abordagem – vide os momentos que ele tenta conversar, principalmente com uma figura feminina. Fica claro que o pintor tinha problemas de saúde mental e imagine a dificuldade se compararmos que, atualmente, ainda problemas como esquizofrenia, depressão e ansiedade são tratados com muito preconceito.

Aí, mais uma vez, é importante ressaltar o desempenho de Willem Dafoe. A tristeza de Van Gogh é um dos motores da melancolia que acompanha toda a trama, junto a um piano e a música incidental de Tatiana Lisovkaia – em seu primeiro trabalho no cinema – ao fundo que pontua sempre esses momentos, como se fosse uma obra em construção. Nada mais marcante como os olhares perdidos, como se tentasse encontrar ou se encaixar em mundo que não parecer ser o seu.

A não-linearidade da trama e os arroubos com cores quentes e frias fazem uma mistura como se fizesse uma rima com as obras do próprio pintor. Van Gogh, no fim, queria apenas ser aceito, ter amigos e viver de sua arte, o que aqui reforço que ele não viveu dela, mas em função da mesma. Por outro lado, sua relação com Paul Gauguin (Oscar Isaac, aqui um boçal), não parece genuína da parte do pintor francês. O filme dá a impressão de que ambos apenas debatiam seus métodos e que qualquer intuito de afeto era desconfortável.

Por fim, a obra é bem-sucedido em demonstrar quanto a figura de Van Gogh era complexa e, por si só, fascinante. Mas Julien Schnabel parece ter esquecido ou deixado de lado a parte do que tornou o homem célebre: a influência artística. Pelo menos, “No Portal da Eternidade” é uma cinebiografia que foge dos padrões no quesito técnica e evita armadilhas quando pode, apesar de ainda se entregar a algumas. Recomendo assistir a esse filme e depois a animação “Com Amor Van Gogh”. De um jeito estranho, os filmes apenas enriquecem a experiência um do outro e alimenta o fascínio pela figura do pintor.