Dois jovens senegaleses embarcam em uma jornada para a Itália em busca de melhores condições e mudarem de vida. Em poucas palavras, é disso que se trata o filme “Io Capitano”, representante Italiano para o Oscar de melhor filme internacional em 2024. Dirigido por Matteo Garrone, a obra transforma uma história de emigração em uma odisseia homérica com espírito coming-of-age, refletindo a crise imigratória que acontece na Europa, mas falha em trazer um olhar mais crítico sobre o tema. 

Existem vários momentos em que é difícil não se emocionar com “Io Capitano”. Mesmo que você não conheça o contexto social da crise migratória na África, o filme consegue nos fazer sentir a dor e desespero que ela causa nessas pessoas. A busca por melhores condições de vida – do desconhecido a uma terra prometida – é acompanhada nessa jornada que começa em Senegal, passa pelo deserto até a Líbia e, por fim, chega ao Mar Mediterrâneo. 

Embora a maior parte do filme seja dedicada a representar os momentos difíceis que os personagens enfrentam, muitas vezes nos deparamos com momentos que enchem o coração. São exemplos da própria bondade humana que, mesmo em dificuldade, ainda ajuda o próximo e da própria natureza das paisagens, sempre carregadas de esperança e sonhos. 

Seydou, no início, ainda era inocente e sonhador. Acompanhamos sua rotina de dividir a casa com muitas pessoas, ir à escola e trabalhar escondido para realizar o sonho de fugir. Com o passar de “Io Capitano”, observamos seu amadurecimento forçado pelas dificuldades que é obrigado a enfrentar. De um jovem sonhador, ele se transforma em uma pessoa que apenas deseja chegar ao seu destino para se sentir finalmente seguro. 

Ao enfrentar os horrores do deserto e do trabalho forçado, Seydou assume o papel de capitão de um navio que levará imigrantes da Líbia para a Itália. É neste ponto que finalmente compreendemos o título do filme, “Io Capitano” – ou “Eu Capitão” em português. Ao se sentir responsável pela vida das pessoas a bordo, incluindo seu primo que precisa chegar à Itália, ele assume um papel de controle, responsabilidade e amadurece diante das telas. 

EUROPA IDEALIZADA EM JORNADA DURA

Neste coming-of-age, o roteiro baseado em histórias reais de imigrantes africanos na Europa não se limita na hora de representar todos os horrores e violência que fazem parte desse processo. Boa parte de “Io Capitano” é composta desses momentos gráficos e dolorosos de assistir. Às vezes, Garrone adota uma abordagem explotation, algo mais gráfico e talvez até sensacionalista. Em outros momentos, há uma abordagem mais mística, trazendo a fé, esperança e elementos religiosos.

Apesar da representação sincera dos eventos, “Io Capitano” não consegue abandonar o olhar ocidental. E basta fazer uma breve pesquisa no Google que você percebe a gravidade da crise imigratória na Europa, mas, no filme, a Itália ainda é o destino perfeito à salvação daqueles jovens sem maiores contrapontos. 

“Io Capitano” é sim um filme poderoso e emocionante, mas decepciona na abordagem do seu principal tema. A obra retrata a Itália quase sempre como essa terra prometida sem assumir o real papel que o país desempenha nessa crise. O foco principal parece estar nas cenas chocantes que visam ilustrar a violência, terror e desespero enfrentados por essas pessoas, muitas vezes utilizadas como mero entretenimento. No final do dia, parece que o filme não faz o suficiente para refletir realmente essa situação.