“Mais que Amigos” dá aos gays u protagonismo em um dos mais codificados gêneros do mainstream cinematográfico: a comédia romântica. O filme de Nicholas Stoller, exibido no Festival de Londres depois da estreia em Toronto, é um marco de representatividade que não esquece que a razão de ser é, antes de mais nada, fazer rir. O longa penou nas bilheterias dos EUA, mas o atual sucesso no mercado doméstico prova que as piadas estão ressoando com o público contemporâneo.

No longa, o autor (e muitas vezes alvo) dessas piadas é Bobby (Billy Eichner, da série “Parks and Recreation”), um podcaster cuja vida amorosa se resume a encontros embaraçosos marcados por aplicativos de pegação. Quando ele esbarra no advogado Aaron (Luke Macfarlane), há atração, mas nada que diga que os dois são um par perfeito. Porém, o interesse permanece e os dois embarcam no tortuoso processo de conhecer (e se abrir para) alguém.

A história desse casal em construção é a âncora da trama, mas igualmente importante para “Mais que Amigos” é ser uma comédia romântica que satiriza e homenageia comédias românticas. A produção espera uma plateia familiarizada com as referências e, então, dá o bote, subvertendo-as. Essa abordagem dupla permite ao longa atingir tanto os fãs quanto os detratores do gênero. 

SEM MEDO DE RIR DE SI PRÓPRIO

Grande parte da sátira do roteiro, co-escrito por Stoller e Eichner, vem da incongruência entre os clichês cinematográficos e a vida de um homem gay dos dias de hoje. Para fãs de humor de constrangimento, sobram destaques: as transas insatisfatórias, as tentativas de tirar nudes atraentes e o icônico momento em que um primeiro encontro acaba em um… bem, uma experiência estimulante ainda que não necessariamente romântica.

Eichner vende essas piadas ao compor seu Bobby como um gay multifacetado cuja fragilidade vem da constante luta contra o mundo heteronormativo. Inteligente, neurótico e totalmente perdido na arte da conquista, ele poderia ter sido interpretado por Meg Ryan se “Mais que Amigos” fosse rodado nos moldes tradicionais nos anos 90.

No entanto, a surpresa na atuação vem de Macfarlane, um astro de telefilmes do Hallmark (canal americano conhecido pelos romances água-com-açúcar) e cuja presença reforça a reverência que o longa presta ao gênero. Sem as amarras de suas produções habituais, ele entrega um Aaron cheio de humor tentando descobrir a sua própria versão da homossexualidade.

No meio tempo, o longa não tem medo de tirar sarro da própria comunidade LGBTQIA+ e não se esforça em nenhum momento para simplificar a vida dela para plateias heterossexuais, com as vidas dos amigos e colegas de Bobby servindo como janelas para realidades que costumam passar longe dos multiplexes. “Mais que Amigos” não quer ser educativo nem representar todo um segmento social, mas que ele consiga abordar tudo isso e ainda ser hilário não é nada menos do que um triunfo.