• “Pastor Cláudio” (2018). Direção: Beth Formaggini.

Uma das características mais surpreendentes do cinema de Eduardo Coutinho, vistas em Edifício Master e Jogo de Cena, era o quanto suas narrativas permaneciam instigantes mesmo mostrando apenas pessoas sendo entrevistadas. Não há respiro, mudanças de cenário, paisagens. Contudo, os depoimentos, o contexto das falas, tornavam vivas (e como!) as experiências de acompanhar estes filmes, mesmo com estruturas narrativas e composições visuais tão áridas.

Certamente uma exceção que confirma a regra. Tal dispositivo deveria ser usado com mais moderação nos documentários brasileiros. Se apenas colocar pessoas dando depoimentos – por mais interessantes que sejam, este não é o ponto – significasse cinema de qualidade, não seria tão difícil diferenciar um programa jornalístico de um documentário, compreender onde entra a visão artística de um diretor em um filme, e que papel ela cumpre.

Mesmo que a estrutura de um filme seja pensada em função de relatos de um personagem, é importante que se crie uma estrutura audiovisual, não necessariamente narrativa, para potencializar o que é dito. Caso contrário, trata-se apenas de um registro feito com algumas câmeras. Uma compreensão limitada dos valores envolvidos nestas obras de Coutinho, por exemplo.

Pastor Cláudio, de Beth Formaggini, traz a história de Cláudio Guerra, bispo evangélico que foi delegado do Departamento de Ordem Política e Social(DOPS) no período mais severo da repressão durante a ditadura militar, sendo responsável por diversas mortes. Ele conta detalhes da sua ação no governo em entrevista para o psicólogo e defensor dos direitos humanos, Eduardo Passos.

CARA DE TV E PERSONAGEM PROBLEMÁTICO

A fala de Cláudio é contundente, de fato: seu relato é detalhado, revela informações chocantes sobre as entranhas da repressão governamental, e seus métodos criminosos. Ao mesmo tempo, porém, é absolutamente monótono e aborrecido como cinema.

O personagem está numa sala preta com um Power Point projetado atrás de si, com duas câmeras filmando-o, e uma em Passos. A decupagem é a mais convencional possível, valendo-se de um frágil efeito visual que a projeção poderia alcançar, mas que nunca se comprova. É um filme bastante feio, parecendo um programa de TV com conceito visual artístico que ficou na metade do caminho. Por longos 76 minutos.

Mas como é visto com o próprio Coutinho, essa estética não significa mau cinema se há personagens estimulantes na tela. Não é o caso aqui, tampouco.

O tal Pastor Cláudio é um personagem deveras problemático. Ele diz que se arrependeu, encontrou a religião, leva uma vida diferente. Até mesmo por conta disso, ele não esconde nada, revela sem nenhum constrangimento os crimes que cometeu. Mas fala de um jeito frio, não sente emoção, apenas relembra atendo-se aos fatos.

Em um determinado momento, ele acompanha o depoimento de uma mulher que teve o marido desaparecido, e ela fala que até hoje o procura, décadas depois, acreditando que poderá encontrá-lo. Seu marido fora assassinado por Cláudio.

Este momento foi inserido no filme como algo que desequilibrasse o jogo, mas nada se altera: Cláudio é uma rocha. Não estou questionando seu arrependimento, deve ser legítimo. Mas isso não muda o fato de que o filme foi apoiado em cima de uma figura que permanece a mesma do início ao fim, incapaz de qualquer nuance, mesmo dizendo as atrocidades que diz.

É PRECISO MAIS

Infelizmente, Formaggini e Passos caem em uma armadilha ao apontar o viés político da direita nas ações desempenhadas pela repressão. Não porque não deva ser apontado, mas de que maneira isso se dá.

Sempre vem como um adendo de Passos, que consiste em pedir que Cláudio repita o que já ficou compreendido, que havia sim esquerdistas dentro da lei que foram perseguidos, e torturados, como terroristas pelo governo, dentre outras diversas violações aos direitos humanos. Os comentários vêm de maneira artificial, posicionando o filme como um contra-ataque, impedindo-o de ser mais que isso, ou seja, uma obra de arte que existe por si só.

Em momentos como o que vivemos agora, é fundamental termos contato com trabalhos que possuem temáticas como a de Pastor Cláudio, para que o passado não se repita. Ao mesmo tempo, é obrigação realizar mais. Dentro do nosso próprio cinema há exemplos para se inspirar. Enquanto isso não acontece, trata-se apenas de iniciativa louvável pela temática e discussão que possibilita, mas insuficiente tecnicamente para ser colocada ao lado de outras boas obras.