O sucesso de “Barbie” mostra que o mundo está pronto para narrativas em que o personagem masculino é objetificado e reduzido. “Mammalia”, filme exibido no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary depois de estreia na Berlinale, coloca este personagem masculino no centro de sua narrativa, lidando com o mundo em mutação ao seu redor e questionando seu papel nele. Impenetrável em seu experimentalismo, o longa romeno deve ter pouca tração fora do circuito de festivais.  

Produções como esta raramente tem a trama como seu principal foco, mas eis uma breve síntese: Camil (István Téglás) tem a vida pacata virada de cabeça pra baixo desde que a namorada Andrea (Mălina Manovici) se junta a uma comunidade de mulheres. Quando a parceira desaparece, ele se lança em uma busca para “salvá-la” –  e o que ele descobre sobre si mesmo é muito mais perturbador do que a tal comunidade.  

“Mammalia”, que marca a estreia do cineasta Sebastian Mihailescu na direção de longas-metragens de ficção, se preocupa em analisar a masculinidade no mundo contemporâneo. Ao escolher Camil como protagonista, ele dá voz a um sujeito comum que não percebe o quanto da dita “normalidade” da vida depende do papel de gênero que exerce.  

O súbito desaparecimento de Andrea coloca Camil em uma jornada de autodescoberta que, nas mãos de Mihailescu e seu co-roteirista Andrei Epure, é vista pela lente da comédia. As cenas longas têm bastante humor de desconforto, levando Camil ao extremo da educação e da civilidade em um mundo externo que claramente não está preocupado com o seu bem-estar.  

SONHO FEBRIL 

Com a comunidade de mulheres servindo como um pano de fundo, os realizadores têm a oportunidade de beber da fonte do “folk horror” mas também subvertê-lo com tendências cômicas. Os diversos rituais mostrados aqui, como o inicial (que dá o tom do filme) e outro, que abre o terceiro ato do longa, imaginam uma versão feminina de “O Homem de Palha” feita por artistas sem medo de referenciar a cena drag.  

Em seus termos, “Mammalia” se propõe como um sonho febril – e neste sentido, é até possível dizer que ela funcione. Porém, a tendência do filme de recorrer a sequências desconexas que se delongam e parecem não contribuir para o todo é frustrante. Separadamente, algumas das cenas até apontam para o que este filme poderia ser. Juntas, elas diminuem a força da trama.  

Durante os 88 minutos de projeção, o espectador pode perceber um leve avanço narrativo, mas é difícil se conectar com as imagens. Quando uma conclusão (novamente, muito simbólica) tenta dar um sentido às desventuras do protagonista, ela se mostra tão aleatória quanto tudo o que a precede. A masculinidade oferece material farto para críticas, mas como “Mammalia” prefere estilo à substância, pouco de seu sonho febril sobrevive ao acender das luzes.