Cinebiografias medíocres estão cheias e lotam os cinemas todos os anos – “O Destino de uma Nação”, “Bohemian Rhapsody” e “I Wanna Dance With Somebody” talvez sejam os maiores exemplares nos últimos anos. “Mamonas Assassinas – O Filme”, entretanto, entra em um outro patamar conseguindo fazer com que nem toda a nostalgia ou boa vontade do planeta seja capaz ignorar a ruindade da produção. A história dos meninos de Guarulhos que surpreenderam o mercado musical brasileiro com irreverência e letras cômicas é uma sucessão de más escolhas acompanhada de uma pobreza visual beirando o amadorismo. 

Roteirizado por Carlos Lombardi (sim, ele mesmo, o autor de novelas clássicas globais), “Mamonas Assassinas – O Filme” compila uma série de situações e passagens sem interesse algum em aprofundar ou humanizar algo. Não se trabalha em momento algum de onde surgiu toda a veia cômica da banda, especialmente, de Dinho (Ruy Brissac); eles simplesmente são engraçados e ponto.  

As músicas aparecem de forma quase milagrosa sem o menor esforço – há uma tentativa de contextualização simplificadora feita pelo empresário (Ton Prado) de que o grupo falava sobre os perrengues do dia a dia e riam da breguice, mas, a incapacidade do longa em traduzir isso em imagens faz o discurso somente soar forçado mesmo. 

SHOW DE MACHISMO 

A situação se agrava mesmo ao abordar a relação entre os Mamonas: tratando como quase figurantes o tecladista Júlio Rasec e o guitarrista Bento Hinoto, o filme se concentra em uma rivalidade fajuta entre Dinho e o baterista Sérgio (Rhener Freitas), além de uma tensão entre este último e o irmão Samuel (Adriano Tunes) por conta de uma namorada. Aqui, aliás, Lombardi remete ao machismo da época de “Uga Uga” e “Kubanacan” em que as mulheres eram tratadas como instrumento de conquistas masculinas ao criar figuras interesseiras dispostas a destruir os “pobres e inocentes rapazes”.  

Se não bastasse ser humilhado pela ex por ser pobre, Dinho ainda lida com a intitulada “mulher da vida” simplesmente forçando uma saída da banda mesmo contra a vontade do ‘coitado’. Nada pior, entretanto, do que a ‘danadinha’ responsável por plantar o caos entre os irmãos por pura malícia – e olha que Sérgio admite sem um pingo de arrependimento ter ficado com a namorada de Samuel em uma noite na Bahia. A culpa? Claro que é dela. 

Para tentar limpar a barra e dar uma impressão de que há uma mensagem importante por trás da história da banda, “Mamonas Assassinas – O Filme” vai beber na fonte dos discursos de coaches com frases de efeito de quinta categoria. Somente “você nunca quis a estrela só, você sempre quis o céu inteiro”, dita pelo pai de Dinho, resume a cafonice totalmente. Fico me perguntando se Dinho e companhia assistissem qual seria a reação deles de zoeira. 

Tudo isso a serviço de uma falta de criatividade visual assombrosa: os cenários internos remetem de qualquer youtuber de médio porte, enquanto os shows que costuram as passagens do filme lembram clipes universitários incapazes de transmitirem 10% da energia de uma apresentação ao vivo. Se a peruca de Dinho na primeira parte dá vontade de rir, a montagem completamente fora de sintonia com o som na apresentação de “Sweet Child O´Mine” tira a força do momento que poderia render um raro trecho realmente divertido. Poderia se dizer que era para emular a cafonice do período, mas, só é malfeito mesmo. Salvam-se apenas os figurinos da década de 90 e da própria banda, o que, cá entre nós, é o mínimo. 

Sorte de “Mamonas Assassinas – O Filme” é a banda possuir uma força atemporal, conseguindo até hoje manter a memória viva do público, incluindo, os mais jovens que não viveram o auge do grupo. A sensação, porém, é que os meninos de Guarulhos mereciam uma cinebiografia mais ousada em vez de uma versão pretensamente bem-comportada e sem cuidado.